Edson Toledo
Em 1988, a Organização Mundial de Saúde (OMS), incluiu a dimensão espiritual no conceito multidimensional de saúde, remetendo a questões como significado e sentido da vida, e não se limitando a qualquer tipo específico de crença ou prática religiosa. Para ela, a espiritualidade é o conjunto de todas as emoções e convicções de natureza não material, com a suposição de que há mais no viver do que pode ser percebido ou plenamente compreendido.
Desde então tem aumentado o interesse em compreender as relações entre espiritualidade/religiosidade e saúde. Só para se ter uma ideia, o número de publicações sobre o tema no século XXI já superou o total de publicações em todo o século XX.
Aqui cabe um esclarecimento: Harold G. Koenig, psiquiatra e diretor do Center for Spirituality Theology and Health of Duke University Medical Center, referência no assunto, afirma que espiritualidade e religiosidade são conceitos afins, mas que não se sobrepõem completamente. Ele diz que a relação dos termos com a busca do sagrado, definindo como religiosidade, quando essa busca ocorre em um sistema organizado de crenças, práticas, rituais e símbolos delineados para facilitar a proximidade com o sagrado e o transcendente.
Já o termo espiritualidade, segundo o mesmo autor, caracteriza-se como uma busca pessoal para questões existenciais, significado da vida e relação com o sagrado ou transcendente – busca esta que pode (ou não) levar ao desenvolvimento de rituais religiosos e a formação de uma comunidade. Entretanto, na literatura encontramos a palavra espiritualidade englobando os dois conceitos, para facilitar ao leitor utilizaremos este critério neste post.
Hoenig afirma que as pesquisas que estão sendo publicadas em revistas médicas com revisão de pares ou de saúde pública, sociologia, psicologia, enfermagem, assistência social e ciência da reabilitação apontam que existem relações entre envolvimento religioso, saúde física e mental.
As descrições teóricas datadas da primeira metade do século XX já traziam referências da relação entre religiosidade e psicopatologia. No entanto, estudos mais recentes têm demonstrado um importante papel protetor da religiosidade/espiritualidade na prevenção de depressão, transtornos de ansiedade, uso de substâncias, diminuição do risco de suicídio, promoção do bem-estar e qualidade de vida.
O que é resiliência?
Uma das formas recentes de abordagem da religiosidade/espiritualidade em saúde mental, é em relação à capacidade de promover resiliência em situações de adversidade, traumas e estresse agudo ou crônico, acredita-se que em momentos de sofrimento e tormenta podem levar à contemplação de um futuro ou sentido espiritual para a existência. Crianças sobreviventes e resilientes após adversidades, demonstram uma capacidade de encontrar sentido, discurso e significado para o sofrimento escreveu o psiquiatra francês Boris Cyrulnik.
Aqui cabe uma explicação, a resiliência na área da psicologia é a capacidade de uma pessoa lidar com seus próprios problemas, vencer obstáculos e não ceder à pressão, seja qual for a situação.
Vejamos alguns exemplos, a religiosidade representou a segunda estratégia de enfrentamento mais utilizada para lidar com o estresse, estando presente em 90% dos indivíduos entrevistados após os atentados de 11 de setembro nos Estados Unidos.
Estudos também identificam a espiritualidade como fator independente na promoção de resiliência em pacientes com depressão e ansiedade. Em um dos estudos com seguimento de 10 anos de indivíduos com alto risco para depressão, identificou que aqueles que atribuíam maior importância pessoal à religiosidade/espiritualidade apresentavam risco de depressão 10 vezes maior quando comparados a indivíduos que atribuíam menor importância a religiosidade/espiritualidade.
Simultaneamente, ambientes sociais com normas rígidas, inflexíveis, condenatórias também representam a possibilidade de criar traumas e sofrimento afirma Cyrulnik. Porém, devemos ficar atentos, pois estratégias de enfrentamento religioso/espiritual negativo podem aumentar o sofrimento psíquico e dificultar os processos de resiliência diante de adversidade, o que reforça a importância de estudos sobre este tema e também uma abordagem compreensiva dos fenômenos envolvidos junto ao paciente na prática clínica.
O fato é que as estratégias de enfrentamento religioso/espiritual podem ser tanto positivas como negativas. Isso vai depender da sua natureza, já que elas podem estar a serviço de um reforço da resiliência ou de uma dificuldade maior no enfrentamento das adversidades. Então fica aí uma reflexão sobre o tema.