por Danilo Baltieri
"Sou psicóloga e tenho conversado com alguns amigos médicos sobre o tratamento do alcoolismo com a medicação chamada baclofeno. Há muitos pacientes interessados nesse tema. Essa medicação é eficaz?"
Resposta: O alcoolismo é uma doença crônica que necessita de tratamento médico e psicológico prolongado. Semelhantemente a qualquer doença crônica, como diabetes mellitus e hipertensão arterial, episódios de recaídas e falhas terapêuticas são bastante comuns.
A heterogeneidade dos portadores dessa doença deve sempre ser considerada durante as abordagens terapêuticas, tendo em vista que determinados tipos de alcoolistas respondem diferentemente a específicos tipos de tratamento.
Progressivamente, tem-se verificado que a associação entre o tratamento farmacológico e o psicossocial é mais eficaz do que qualquer uma das abordagens aplicada isoladamente em dependentes de álcool.
Além da heterogeneidade dos portadores de alcoolismo, os profissionais de saúde dedicados ao manejo dessa doença devem estar cientes das várias alterações neurobiológicas provocadas pelo consumo prolongado da droga. Essas alterações justificam a utilização das medicações atualmente existentes para o tratamento dessa condição.
A busca por agentes psicofarmacológicos eficazes no tratamento de pacientes dependentes de etanol tem, durante as duas últimas décadas, identificado algumas drogas com potencial utilidade clínica no tratamento da dependência de álcool. Até o momento, apenas três medicações receberam aprovação do FDA (Food and Drug Administration) para o tratamento da Síndrome de Dependência do Álcool: Dissulfiram, Naltrexone e Acamprosato. No entanto, novas medicações têm sido intensamente estudadas para tratar esse grave problema de saúde pública com resultados promissores, como o topiramato, o ondansetron, o baclofeno, dentre outras.
De qualquer forma, o tratamento farmacológico do alcoolismo tem passado por um período de crescimento e otimismo científico, apesar das medicações até então aprovadas demonstrarem modesta eficácia na promoção e manutenção da abstinência na população de dependentes de álcool.
Ação do baclofeno
O baclofeno é uma medicação aprovada pelo FDA (Food and Drug Administration) como um relaxante muscular, ou seja, com atividade antiespástica. Essa medicação exerce ação depressora sobre o Sistema Nervoso Central, através de ação específica sobre receptores inibitórios (GABAb).
Diminui fissura por álcool
Os efeitos do baclofeno na redução da fissura por álcool podem ser explicados pela sua capacidade de interferir com os substratos neuronais que medeiam as propriedades reforçadoras do etanol. Essa hipótese poderia explicar o rápido efeito do baclofeno na redução do pensamento obsessivo pelo álcool já verificado em algumas pesquisas realizadas com alcoolistas.
Em pacientes dependentes de álcool, alguns estudos abertos e *duplo-cegos utilizando a medicação baclofeno foram já desenvolvidos e concluídos. Um dos primeiros estudos publicados em revista científica, com o baclofeno sendo administrado na dosagem de 15mg/d nos primeiro 3 dias e depois 30mg/d por 30 dias, demonstrou eficácia. No segundo estudo, com 9 homens e 3 mulheres recebendo baclofeno na dose de 30mg/d por 12 semanas, a medicação foi efetiva na redução do consumo de álcool, na manutenção da abstinência e na redução da fissura.
Em estudo duplo-cego randomizado placebo-controlado com 39 homens dependentes de álcool (20 pacientes em uso de baclofeno 15 mg/d nos 3 primeiros dias e depois 30 mg/d divididos em 3 tomadas diárias por 4 semanas e 19 pacientes em uso de placebo), 70% daqueles que fizeram uso de baclofeno permaneceram abstinentes durante a pesquisa contra 21% dos pacientes em uso de placebo.
Recentemente, publicou-se outro estudo duplo-cego randomizado com 84 dependentes de álcool com cirrose hepática, no qual metade dos pacientes tomou 15mg/d nos 3 primeiros dias seguidos por 30mg/d de baclofeno (com a dose de 10 mg tomada por 3 vezes ao dia) e a outra metade tomou placebo 3 vezes ao dia por 12 semanas. Dos pacientes em uso de baclofeno, 71% permaneceram abstinentes durante o período do estudo, enquanto dos pacientes que tomaram placebo 29% permaneceram abstinentes.
Nesses estudos, o baclofeno também provou ser efetivo na redução da fissura, reduzindo seus componentes obsessivos e compulsivos e outros componentes ansiosos. Finalmente, o baclofeno foi bem tolerado, com poucos efeitos colaterais e sem risco de abuso.
Entretanto, ainda faltam estudos para averiguar para quais tipos de pacientes a medicação baclofeno pode ser mais eficaz. Similarmente aos prévios estudos farmacológicos para avaliação da eficácia de medicações (como aqueles envolvendo o Acamprosato e Naltrexone) no tratamento do alcoolismo, têm também surgido pesquisas que não demonstram a eficácia do baclofeno sobre o placebo entre dependentes de álcool. Resultados contrastantes devem ser melhor verificados, avaliando para qual tipo de alcoolista essa medicação é mais eficaz.
Sob quaisquer hipóteses ou pretextos, nenhuma medicação por si só deve ser considerada “a pílula mágica” para o tratamento dessa grave doença médica. De fato, pesquisas sérias devem ser desenvolvidas para melhor avaliar a eficácia e segurança terapêutica da medicação, inclusive com doses maiores das que têm sido já utilizadas em pesquisas publicadas em revistas científicas sérias. Certamente, todas as pesquisas envolvendo o uso de medicação devem ter a aprovação de comitês de ética devidamente organizados.
De qualquer forma, o otimismo científico em torno dessa medicação não tem sido pequeno; todavia, o cuidado em relação ao “endeusamento” dessa medicação deve sempre ser considerado, tendo em vista a heterogeneidade dos portadores dessa doença.
* Duplo-cego: método de pesquisa onde o pesquisador e o sujeito da pesquisa não conhecem exatamente qual o fármaco que está sendo administrado naquele momento.
Abaixo, forneço interessantes referências para consulta:
Garbutt, J. C., Kampov-Polevoy, A. B., Gallop, R., Kalka-Juhl, L., & Flannery, B (2011). A. Efficacy and safety of baclofen for alcohol dependence: a randomized, double-blind, placebo-controlled trial. Alcohol Clin Exp Res, 34(11), 1849-1857.
Addolorato, G., Leggio, L., Cardone, S., Ferrulli, A., & Gasbarrini, G. (2009). Role of the GABA(B) receptor system in alcoholism and stress: focus on clinical studies and treatment perspectives. Alcohol, 43(7), 559-563.