por Regina Wielenska
“Talvez seja uma viagem fascinante dedicar alguns minutos de cada dia para buscar novos ângulos, informações surpreendentes, enxergar o avesso das coisas, saindo da obviedade. Essa abertura para vida acabará desenvolvendo em nós uma atitude criativa e flexível perante o mundo”
Há alguns anos uma amiga me relatou o prazer de ter feito um curso de fotografia na cidade de São Paulo chamado “Descondicionando o Olhar”. Nunca me esqueci do nome, tão apropriado.
Alguém já percebeu o quanto muda nossa visão do mundo físico quando deixamos de ser bitolados motoristas e nos tornamos passageiros? E na hora em que nos convertemos em pedestre? E quando percorremos uma mesma rua usando a direção contrária ao do caminhar habitual?
Você já se deu conta das linhas da palma de sua mão? Não me refiro à oculta arte da quiromancia, apenas sugiro o quanto podemos descobrir sobre nós mesmos se nos dermos ao trabalho de um olhar mais atento, focado, gentil, não avaliador, apenas um longo olhar…
Consultores de imagem dizem que devemos nos olhar por todos os ângulos, para descobrir nossas formas, medidas, maneira de andar, linguagem corporal, postura. Só quem se conhece terá condição de experimentar mudanças, de explorar as possibilidades do corpo recém-descoberto.
Observe nos jardins: quais flores estão a brotar, que árvores perderam as folhas e quais começam a nascer. Você reconhece as aves que habitam os galhos? Estamos frequentemente desconectados dos eventos da natureza. Hoje precisei sair a pé, coisa que deveria fazer com mais frequência e desse modo me dei conta do luar que se instalava no céu, ocasião propícia para nosso deleite estético.
Conversando com um especialista em cafés, aprendi um pouco sobre as sutilezas das torras e moagens, os vários tipos de grão e seus distintos graus de acidez. Ele me contou que o tempo que uma colher de açúcar leva para se depositar no fundo da xícara é medida indireta do quanto o café expresso foi bem tirado pelo barista. Ninguém nasce pronto para captar tantas propriedades de um grão avermelhado.
Há um longo treino, propiciado pelo ambiente ao nosso redor, que nos ensina a atentar para o que é importante para a sobrevivência dos membros de nosso grupo. O homem pré-histórico precisava descobrir pegadas, fosse para fugir ou se aproximar do animal (ou humano) que deixou no solo sinais de sua presença. As crianças, convivendo com os adultos, aprendiam a ser influenciadas por aquelas informações e a tomar decisões acertadas, “aqui passou a jaguatirica”, “lá caminhou alguém de botas”.
Talvez seja uma viagem fascinante dedicar alguns minutos de cada dia para buscar novos ângulos, informações surpreendentes, enxergar o avesso das coisas, saindo da obviedade. Essa abertura para vida acabará desenvolvendo em nós uma atitude criativa e flexível perante o mundo. É fato que não vale pensar apenas em expandir o sentido da visão, mas também os outros sentidos e a maneira de interpretar a subjetividade da existência. Cada objeto, indivíduo ou paisagem, tudo possui mais de um jeito de ser apreendido, e cada jeito nos será benéfico por um motivo ou outro.
Minha proposta de hoje é essa: veja o mundo com os olhos da criança, para a qual tudo é novo, e merece um segundo e terceiro olhares, até que se esgotem as perspectivas.