por Marisa Micheloti
A vida de casal tem passado por constantes mudanças sociais, principalmente pela chamada família de tripla jornada, que implica na profissão de cada um e a família em comum.
O fato de a mulher ter conquistado o mercado de trabalho e pluralizado seus papéis pessoais, renovaram as discussões referentes ao contexto familiar e as funções determinadas a cada membro. A grande pauta dessas questões sobre quem faz o quê nos lares, pode ser a máscara de grandes indícios de desconfortos pessoais de gênero (masculino e feminino).
Hoje é comum ter casais com duas profissões, ou até com duas carreiras; o que difere enquanto pensamento de desenvolvimento profissional, quando pensamos em uma vida acadêmica, militar, etc. em que se exige outras dedicações além das horas trabalhadas. Toda essa demanda de trabalho e/ou estudos têm causado conflitos significativos na vida dos casais. Nós, terapeutas de casal, temos que constantemente abordar situações de tempo e função dentro das famílias modernas.
Os trabalhos do homem e da mulher vêm conquistando o mercado e ampliando a contribuição econômica doméstica, de modo que não há mais uma denominação de primário e secundário. A renda doméstica tem igual importância nos lares brasileiros, mesmo quando a quantia é discrepante. Um precisa do investimento do outro e nesse aspecto a relação de dependência trouxe uma força positiva. As mulheres batalham por salários melhores e essa conquista vem trazendo junto a ela o reconhecimento do papel feminino nas profissões.
Com todo esse panorama, o papel da mulher onde era unicamente educadora, tem aberto espaço para que os homens também possam ampliar seus deveres junto aos filhos. Nesse aspecto percebo que ainda temos muito que caminhar. As mulheres abrem espaço e os filhos ganham muito com isso, mas as mulheres ainda querem ter o controle da maneira como esses homens educam seus filhos e como eles participam das tarefas domésticas.
Elas aceitam que eles façam, desde que seja da maneira delas. Parece que ainda está muito enraizado o papel de educadora e dona de casa. Só ela sabe trocar o bebê, talvez porque pense que só ela pode amamentá-lo. Porém, um bebê precisa também de muito carinho e é extremamente necessário alimentá-lo com esse afeto masculino.
Quando se aborda esse tema, mexe-se em uma questão de poder. Ainda há conflitos profissionais onde os homens também estão muito resistentes às vozes femininas num contexto profissional. Aquele espaço que era determinantemente masculino abre portas para o feminino entrar e, muitas vezes, em papel de submissão, porém em outras vezes com ordem de comando. Há tempos estamos nessa renovação de papéis, porém ainda olha-se para esse viés com muita resistência.
Podemos pensar que é correto analisarmos as questões de gênero onde percebemos que o masculino e o feminino diferem em condutas e posturas. Porém, mantermo-nos presos a essas determinações cria um congelamento, uma conserva cultural. Transgredir a todas essas discussões, é a possibilidade de uma transformação relacional. Esse é o caminhar das pedras.
As mulheres não pensam em retroceder em suas conquistas, mas ainda precisam retificar todas as situações de culpa que as acompanham. Os homens precisam ocupar os papéis de educadores autônomos, apropriando-se da casa e dos filhos como sendo deles, sem necessitar da constante consultoria da mulher para direcionar seus passos e atitudes.
A importância de desmistificar alguns pontos de que os homens não têm sentimentos, portanto não serão boas figuras aos filhos; não sabem ir à feira porque só a mulher sabe escolher as frutas e verduras, só faz o homem se sentir incompetente. E homem que se sente incompetente, emburra e não sai do lugar. As mulheres por sua vez necessitam entregar a parte da família e do lar que cabe ao homem de hoje e parar de se sentir responsável porque o feijãozinho da funcionária não é tão bom como aquele que ela faz. A mulher deve ser reconhecida pelas conquistas que seu gênero proporcionou. Querer controlar tudo para não sentir culpa só traz cansaço e falta de prazer. Mulher cansada fica mau-humorada.
Homens e mulheres precisam refletir sobre o jogo de culpa que usam para atacar uns aos outros, pois muitas vezes aquilo que se quer do outro é uma necessidade própria e não do casal. Perceber que esses conflitos não prejudicam só ao outro, mas você também sai perdendo é bastante significativo para refletir se vale a pena.
Uma relação não deve ser intrusiva visando detectar as falhas do outro, mas deve permitir que o parceiro seja validado pelas atitudes que são satisfatórias. As responsabilidades da vida familiar hoje estão equilibradas, nenhum dos dois fracassou por isso ou por aquilo. Se houve um fracasso que ronda uma família, esse sentimento é de responsabilidade dos dois e isso faz uma grande diferença!
Marisa Micheloti é psicóloga