por Rosa Fonseca
Para fugir do tédio alimentar nada como usar ervas e especiarias. A simples presença do manjericão pode elevar uma reles pizza de mussarela ao patamar de uma divina marguerita. Mas é preciso saber compor, porque se o tempero certo abrilhanta um prato, também o afunda.
Os sabores podem ser combinados por similaridade ou complementaridade. Um exemplo de combinação por similaridade é café com grappa ou mesmo café com açúcar mascavo, uniões de alimentos amargos ou com toques de amargor. Esse tipo de combinação é a mais fácil de fazer e funciona sempre que se unem ingredientes de sabor razoavelmente próximos e suaves. Significa que docinho combina com docinho, ardididinho com picante, acidinho com azedinho, salgadinho com salgadinho. Mas, quando um alimento é excessivamente doce, picante, amargo, ácido ou salgado, é mais interessante combiná-lo com o sabor complementar:
– Sabores muito doces são compensados pelos muito azedos e vice-versa. É um dos segredos do sucesso da caipirinha.
– Sabores medianamente doces harmonizam-se bem com sabores medianamente amargos e aceitam quase que todos os tipos de aromatização. É o caso do caramelo e do chocolate.
– Forte picância é compensada por dulçor e/ou untuosidade (gordura) leves. Eis porque combinação de pimenta com leite de coco é tão comum em pratos baianos e asiáticos.
– A untuosidade (oleosidade) excessiva pode ser suavizada pela presença sabores adstringentes, que são ácidos refrescantes, com os cítricos e o álcool. Por isso uma cerveja gelada casa com uma porção de fritas.
– Nunca combine ácidos com amargos e evite ao máximo salgar ou apimentar algo que seja amargo.
– Alimentos excessivamente salgados são difíceis de serem combinados, mas podem ser suavizados por itens quase sem sabor, levemente adocicados. É o caso da carne seca com abóbora.
A cozinha asiática baseia-se na ciência de misturar todos os sabores em um único prato, de forma que seja possível perceber o doce, o salgado, o ácido, a pimenta, o amargo e o umami (nome dado ao sabor de carnes, aves, pescados ou cogumelos sem tempero), sem que nenhum sabor sobressaia, com resultado totalmente harmônico. Além da riqueza de sabor, quanto maior for a abundância de aromas, mais nobre será prato. Nós, ocidentais, somos insípidos nessa área. Mas quem começa a se aventurar, logo estará reconhecendo os cheiros dos vinhos e as essências dos perfumes. É uma questão de exercício.
Sabendo disso, vale saber como ervas e especiarias agrupam-se em relação a sabor e aroma:
Ervas
• Adocicadas: cerefólio, estragão, dill, funcho, hortelã
• Ácidas: alho, cebola, cebolinha, cebolinha-francesa, cebolinha-chinesa, alho poró, aipo
• Cítricas/adstringentes: melissa (erva cidreira ou capim-santo), azedinhas, capim limão
• Amargas: orégano, manjerona, alecrim, sálvia, tomilho, segurelha, capuchinha
• Picantes: coentro, wasabi, rábano, rúcula, agrião, folha de acabateiro
• Perfumadas (possuem sabor leve; seu forte é o aroma):
– salsinha, salsão, manjericão – aromas frescos
– calêndula, malva, jasmim, rosa, alfazema, flor de laranjeira, musk – aromas florais
Especiarias
• Perfumadas
– terrosas ou amadeiradas (lembram terra, tronco e raízes molhados): açafrão, cúrcuma (açafrão da terra), cominho, alcaravia, macis, coentro, noz moscada
– florais-frutais (lembram o aroma de flores e frutas): cardamono, baunilha, canela, zimbro, pimenta rosa (semente de aroeira), páprica doce (colorau ou colorífico)
• Adocicadas: endro, anis-estrelado, erva-doce (anis), alcaçuz
• Amargas: azeitonas, alcaparras, feno grego, assa fétida
• Apimentadas: pimentas (do reino, da jamaica, malagueta, peperoncino, tabasco, jalapeño, dedo-de-moça, de cheiro, de sichuan etc), gengibre, mostarda, páprica picante
Com esse conhecimento em mãos, nada como treinar inventando saladas, que são rápidas de fazer, saudáveis, não sujam a cozinha e podem ser deliciosas.
Comece analisando as saladas clássicas e logo estará criando. Pense na caprese: a delicada adstringência e dulçor do tomate maduro, a untuosidade, cremosidade e salgadinho leves da mussarela de búfala e o perfume do manjericão. Troque manjericão por alecrim e perceberá que seu amargor não casa com a acidez do tomate. Mas usar erva-doce pode ser muito interessante.
Além de brincar com sabores e aromas, pense nas texturas. Imagine um estrogonofe de shitake com purê, suco de morango e creme de papaia. Mesmo que os sabores se harmonizem, é refeição para quem está fazendo tratamento de canal. A batata palha e o arroz são fundamentais. Agora, imagine um filé de linguado grelhado com limão, arroz branco e couve-flor salteada. Para beber, suco de melão; de sobremesa, manjar de coco. Ainda que os sabores combinem, a profusão de branco desse menu acaba com o paladar de um faminto. Por isso, outro segredo é misturar o maior número de cores que puder nos pratos; atentando-se sempre para que os sabores, aromas e texturas combinem e se complementem.
Ficou na dúvida se combina? Experimente!
Na faculdade, criei uma salada de agrião com tangerina, canela, tomate-cereja, castanha-de-caju, hortelã, azeite de nozes, vinagre de maçã e flor de sal, que ficou divina. Como descobri isso? Juntando os ingredientes disponíveis de dois em dois e mastigando. Se funcionavam, juntava outro item, até achar um terceiro item que combinava. E depois outro e outro.
Existem por aí zilhões de tabelas de combinação de alimentos com ervas e especiarias. Mas as possibilidades são tantas, que é impossível resolver essa questão com uma tabela. Na cozinha, a ciência é uma boa conselheira. Mas a boca é o melhor juiz; e a curiosidade, o melhor tempero.