Um caminho marcado

por Samanta Obadia

  “A Violência […] não pode definir-se sem relação com as leis que ela viola (leis humanas ou naturais). Representa a suspensão dessas leis, a ‘vacância da legalidade’. Ao contrário, a opressão pode ser institucional.” 1

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“Princípios práticos são proposições que encerram uma determinação geral da vontade, à qual estão subordinadas várias regras práticas. São subjetivos e formam máximas quando a condição é considerada pelo sujeito como válida somente para sua vontade; mas são objetivos e fornecem leis práticas, quando a condição é reconhecida como objetiva, isto é, como válida para a vontade de qualquer ser racional.” 2

Violência e lei, opostos necessários. Movimento heraclitiano 3, onde a lei nos domina violentamente enquanto a violência agride (e transgride) o discurso legal. E como uma mesma coisa, elas coabitam em nós, humanos, a lei e a violência. Onde “o caminho a subir e a descer é um e o mesmo”4 , de forma que não é possível impedir esse movimento.

O homem, este ser definido como um animal político por Aristóteles 5 e Marx 6, é um ser que se diferencia por estar algemado ao tempo, ao espaço e às suas representações.

Como falar da violência presente no ser humano sem falar das prisões que o ameaçam, dos limites que lhe são impostos pelo macrocosmo e pelo microcosmo? Como citar a lei criada por esse homem sem deparar-se com esse corpo que “respira” desejo? O qual, segundo Sartre, é “por natureza fuga de si na direção do objeto desejado […]. O desejo é falta de ser; é perseguido no seu ser mais íntimo pelo ser do qual é desejo.”7

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Na trajetória deste ensaio pretendo discursar sobre a natureza violenta do humano que é lançado como projétil num mundo sem sentido 8 e que busca dar direção e fim à sua existência como se isso o levasse a um outro lugar. Contudo Aristóteles nos diz que tudo o que se desvia do caminho marcado é violência 9. E eu me pergunto, há um caminho marcado?

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1Sartre, J. P., Cadernos para uma Moral, p.579, Ed. Gallimard. O grifo é meu.
2Kant, I. Crítica da Razão Prática, edições 70, 1986. O grifo é meu.
3Heráclito de Éfeso (540-480 a.C.)
4Hipólito fragmento 60, sobre a unidade essencial dos contrários, ref. IX, 10, in Os Filósofos Pré-Socráticos, G.S.Kirk & J.E. Raven, 1966.
5Política, livro 1, p.40, Nathan.
6“O homem é, no sentido mais literal, um zoon politikon, [ animal social, em grego] não apenas um animal sociável mas um animal que só pode isolar-se na sociedade”. Contribuição à Crítica da Economia Política, p.150, Éditions Sociales.
7Sartre, J. P. O Ser e o Nada, 2a. parte, cap.1, p.126, Ed. Gallimard.
8“O homem nada mais é do que seu projeto, só existe na medida em que se realiza, nada mais é, pois, do que o conjunto de seus atos, nada mais do que sua vida.”, in Sartre, J. P., O Existencialismo é um Humanismo, Ed. Presença, 1970.
9Ética a Nicômaco, in Os Pensadores, ed. Abril Cultural, 1973.

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