por Patricia Gebrim
Em nossa cultura cada vez mais descartável, algumas expressões e hábitos caem na moda e logo só se fala naquilo, por onde quer que a gente vá. É o caso da tal leveza. Hoje em dia, tornou-se "in" comer comida japonesa, fazer yoga, consumir produtos sem glúten. Tudo isso, na medida certa e para as pessoas certas, pode ser maravilhoso. Na mesma onda, tenho ouvido muitos afirmarem que os relacionamentos têm que ser "leves".
Antes que eu seja mal entendida, preciso dizer que sou uma dessas pessoas que adoram leveza. Tenho essa menina em mim que gosta de brincar, de rir, de experimentar o novo, de ser livre e deixar que assim sejam os que amo.
O que é um relacionamento leve?
Quando penso em um relacionamento leve, me vem à mente uma relação sem excesso de cobranças, onde a individualidade de cada um seja respeitada, uma relação cheia de ar puro, com espaço para imperfeições, onde o bom humor seja permitido e valorizado, onde possamos ser adultos, mas que nossas crianças internas tenham espaço também para se divertir, criar, inventar coisas novas, experimentar e dançar. Que maravilha poder viver tudo isso em nossos relacionamentos.
Concilie leveza com profundidade
No entanto, para que um relacionamento possa cumprir uma de suas funções primordiais, que é a de gerar crescimento àqueles que dele participam, há necessidade também de profundidade. A profundidade que se inicia com um compromisso básico, o compromisso com o bem do outro, com os acordos comumente firmados, com a construção conjunta de um espaço que permita a ambos se tornarem pessoas melhores. Aceitar a profundidade numa relação também tem a ver com aceitar que nem tudo será perfeito, que enganos e erros acontecerão, que iremos ferir um ao outro de vez em quando, que nem sempre chegaremos a um acordo. Significa desejar conhecer o outro em sua inteireza, em suas incoerências, lidar com sentimentos, os nossos, os do outro, de bom grado. Há que se ter disponibilidade para fazer uma faxina no relacionamento de vez em quando. E é aí que muitos escorregam.
Leveza não é sinônimo de superficialidade
Escoltados pelo tal discurso da leveza, muitos querem viver apenas o lado bom de tudo. Só alegrias, só divertimentos e coisas boas. E se o parceiro acordar triste, ou bravo, tiver um problema, ou quiser conversar para entender melhor algum aspecto do relacionamento, o aspirante à borboleta psicodélica baterá asas para bem longe e deixará o outro falando sozinho, com a desculpa de que aquele "papo pesado de energia ruim" tira a leveza da relação. É nesse ponto que leveza se torna superficialidade.
Mas não podemos ser superficiais, se assim quisermos? Claro que sim. Mas se esse é o caso, deve-se buscar um parceiro superficial, que concorde em estebelecer uma relação momentânea, mais para o divertimento do que para honrar nossas almas, ou corações. Relações superficiais não nos levam ao lugar onde o amor acontece, mas talvez o amor não seja o destino de todos, o que é plenamente aceitável também. Ou talvez, entre uma e outra relação de amor, alguns tenham a necessidade de viver algo mais superficial, até que esteja pronto a mergulhar novamente.
O que é importante saber é que a estrada para o amor verdadeiro e mais duradouro necessariamente precisa de profundidade, de entrega, de parceria em níveis muito profundos. Para dizer que amamos de fato alguém, é necessário ter tocado sua luz e sua sombra, conhecer seu melhor e seu pior, sua maior alegria e seu maior medo. É necessário enfrentar seus demônios e ser abençoado por seus deuses, pois não há ninguém neste mundo que não seja feito dessa dualidade. Apenas os superficiais acreditam poder ter só a metade boa do outro e de si mesmos.
É inevitável: Para uma pessoa superficial, a profundidade de quem busca o amor será sempre sentida como falta de leveza.
Embora profundidade rime com superficialidade, as duas não podem conviver. O mesmo não se aplica à leveza. Uma relação profunda pode ser também leve, o que me parece a combinação mais deliciosa e transformadora possível em um relacionamento, e é perfeitamente viável, desde que saibamos exatamente do que se trata cada um desses termos.
O problema é que muitas vezes não sabemos, e nessa falta de consciência, acabam-se estabelecendo relacionamentos entre pessoas muito diversas. Uma é profunda. A outra, que se diz leve, é na verdade superficial. A armadilha está armada! Nesse caso, os conflitos, e dores, serão inevitáveis.
O profundo desejará se expor por inteiro, e conhecer o outro por inteiro. O superficial se sentirá incomodado, pois só queria metade. O profundo ficará frustrado, sentindo estar vivendo menos do que gostaria. O superficial se sentirá invadido pela intensidade e inteireza que o parceiro manifesta. O profundo lutará para chegar perto, o superficial se esquivará para uma distância confortavelmente segura, e por aí vai… Não é difícil encontrar casais que vivem assim.
Avalie esses aspectos quando estiver se relacionando com alguém. As relações duradouras são firmadas sobre as similaridades, e não sobre as diferenças. Busque alguém que deseje um nível de intimidade similar ao seu e suas chances de sucesso e de viver a leveza boa, seja na profundidade de um amor verdadeiro, seja na superficialidade de uma relação ocasional, serão com certeza muito maiores.