por Aurea Afonso Caetano
“Para mim, os sonhos são natureza, e não encerram a menor intenção de enganar; dizem o que podem dizer e tão bem quanto o podem como faz uma planta que nasce ou um animal que procura pasto. Os olhos também não procuram enganar; talvez sejamos nós que nos enganemos, porque nossos olhos são míopes.”
Jung, MSR, pg. 226.
Jung via os sonhos de forma radicalmente diferente daquela de Freud. Como fica claro na frase acima, colocada em suas memórias, ele procurava ver os sonhos como aquilo que eles eram, não como algo diferente do que apresentavam, como disfarces ou algo assim. O sonho é o que é, e diz o que quer dizer, sem rodeios ou camuflagens.
Essa visão parte de uma concepção mais simples, ou direta do funcionamento da psique (mente), que para Jung é polar. Ou como diziam, ainda de forma mais clara, os antigos: “Tudo no mundo está dividido em duas partes, das quais uma é visível, e a outra invisivel. Aquela que é visivel, nada mais é que o reflexo da invisivel.” (Zohar). Desta forma, sonhos podem ser pensados como noturno reflexo invísivel da diurna visível consciência.
Na mitologia grega Hipnos é o guardião do sono, irmão gêmeo de Tanatos, ser alado, que percorre rapidamente o mundo e adormece todos os homens. Morfeu, seu filho, é o guardião dos sonhos e mora em uma caverna onde não entra a luz do sol. O sono (Hypnos) e a morte (Tanatos) enquadram o sonho. O sono só se consegue manter com a ajuda do sonho (Morfeu), daí os cuidados com que Morfeu tratava o seu pai, Hypnos. A morte, irmã do sono, lembra-nos de que a própria vida, sem a ajuda do sonho, não se consegue manter.
Uma vida sem sonho não é uma vida que valha a pena, sonhos (simbólicos) nos ajudam a manter a esperança, a imaginar um futuro, a pensar no que nos falta, para onde queremos ir. E, estudos feitos em laboratório com privação de sonhos, mostram a importância deles para a manutencão do adequado funcionamento neurofisiológico. Além disso, sabemos também que é durante a fase REM (rapidy eye movement) do sonho, na qual acontecem a maioria dos sonhos, que acontece o processo de consolidação de memórias.
Apesar dos sonhos terem sido discutidos ao longo de toda a história da humanidade, foi apenas no final dos anos 60 que a relação entre sono e consolidação de memória (momento em que as memórias são “fixadas” no cérebro) começou a ser sistematicamente estudada. Estes estudos concluiram que dormir é essencial para o aprendizado e os sonhos tem um papel muito importante nesse movimento.
Neurologicamente a fase de sono REM envolve um estado de consciência suficiente para processar as informações procedentes de camadas, por assim dizer, inferiores ou inconscientes, sem contudo produzir um estado de consciência pleno, (vigília). Assim, o sonhador pode ter a sensação de movimento, sem no entanto de fato se movimentar.
Nessa medida o conteúdo do sonho é muito próximo àquele da consciência, daí a possibilidade de pensar neles como espécie de continuum – ou seja, a consciência seria o momento mais desperto e o sonho o menos desperto, quase uma continuação… Da vigília ao sono, do consciente ao inconsciente, dos conteúdos que surgem enquanto acordados aos conteúdos que surgem enquanto dormimos.
Assim, a forma como também Jung, no inicio do século passado, via os sonhos. “O sonho diz respeito, realmente, tanto à saúde como à doença, e, por isto, dada a sua raiz inconsciente, ele extrai elementos de sua composição também no tesouro das percepções subliminares, podendo nos proporcionar dados úteis ao conhecimento.” (Vol VIII, par. 531)