Ver o todo? Se ater aos detalhes? Ou o meio-termo?

Durante uma discussão sobre conhecimento e opinião, um de meus estudantes reclamava da atitude de outro professor, sem mencionar o seu nome. Dizia ele que uma polêmica foi encerrada com a frase: “-Esta é minha opinião”. Tirando o fato óbvio que qualquer opinião é um convite inicial para a elaboração do conhecimento – em função de consistir em uma afirmação subjetiva que ainda precisa passar pelo crivo público e tornar-se objetiva – outro elemento da situação chamou-me a atenção.

O que me pareceu digno de nota foi a impossibilidade manifestada pelo estudante de contornar uma atitude pouco pedagógica. É normal, para nós que temos uma certa idade, lançar uma visada superficial sobre as dificuldades. Isso quer dizer que adotamos uma postura diante da vida que retira o peso dos pequenos eventos desagradáveis. Isso porque nos concentramos no aspecto geral da viagem em que nos encontramos aqui nesse mundo e não em alguns detalhes que podem ser mesmo incômodos.

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Para mim, o que chamou a atenção foi justamente a significação intensa que o estudante concedia a uma intervenção claramente em contradição com o ambiente de aprendizagem, que é uma sala de aula. Ele estava indignado semanas depois do ocorrido. Ou seja, pareceu-me estranho que alguém desse uma significação tão emocional a um evento que era uma atitude claramente incompatível com o contexto. Não pude deixar de pensar que isso expressa uma certa atitude diante de nossa viagem nesse mundo.

Excesso de foco nos detalhes

Um foco excessivamente concentrado nos detalhes nos impede de seguir adiante porque nos torna atentos a pequenas coisas. Pequenas diante da consideração da totalidade do trajeto que realizamos: o conjunto completo de experiências que chamamos de vida. Uma pessoa meticulosa ou apegada não consegue libertar-se da situação concreta em que está inserida e, assim, não pode visualizar o propósito ou o sentido do movimento mais amplo que realizamos. Se nos deixamos levar pela consideração de cada detalhe, o mundo nos parecerá pesado, lento, pleno de pequenas coisas das quais não podemos nos livrar ou simplesmente esquecer. O que significa para um estudante uma atitude isolada antipedagógica de um único professor durante uma aula? O que isso significa isso no contexto de sua vida? Talvez muito pouco se ele se tornar capaz de esquecer e adotar uma perspectiva mais ampla.

Sentido de estarmos no mundo  

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Por outro lado, se praticamos um esquecimento excessivo como prática existencial, pode ocorrer que percamos todo elemento emocional de nossas vidas. Afinal, diante de uma consideração sobre o sentido de estarmos no mundo, o que poderia significar qualquer evento em particular? Imagino que nada. E se adotamos esse ponto de vista geral sobre tudo, então tudo nada significa, porque nosso olhar se perderia na imensidão do universo e em parte alguma poderia se fixar. Se olhamos para a totalidade do cosmos, nenhum de nossos atos significa algo.

Sem pretender oferecer receitas de como cada um deve conduzir sua vida, essa situação parece nos alertar para dois extremos. De um lado podemos nos perder nas minúcias e sobrecarregar tudo com um peso que torna a carga quase insuportável – ou talvez extremamente difícil de ser conduzida para algum lugar específico. Nesse caso, perdemos a referência mais ampla que poderia tornar a viagem mais alegre e cheia de um propósito mais amplo. De outro lado, por excesso de generalidade, podemos resvalar para a ausência de sentido concreto, podemos perder a capacidade de valorizar cada situação, cada sabor específico que as situações particulares possuem. Se no primeiro caso pecamos por excesso de memória, no segundo cometemos o equívoco de esquecer demais. Tudo indica que conduzir a vida envolva mesmo uma capacidade de dosar bem memória e esquecimento, dar e retirar sentido dos eventos que experimentamos.

Mas se isso é verdade, a nossa felicidade dependeria apenas do modo como calibramos essas duas capacidades humanas – a de esquecer e a de lembrar? E se isso faz sentido, então a felicidade seria só o resultado que geramos em nós mesmos quando nos decidimos a calibrar nossa relação com os eventos de que participamos?

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