por Roberto Goldkorn
“As crises de consciência que emergem são terríveis, os conflitos interiores, silenciosos e sofridos secretamente são tormentos infernais para quem vive essa vida dupla.”
Assisti a um programa sobre crimes chocantes nos EUA. Nesse episódio, o pivô de tudo era um médico conceituado na pequena cidade do meio-oeste americano. Casado há trinta e um anos, ele se apaixonou por uma garota de programa viciada em heroína. Ele cercava seus encontros sexuais com champanhe, pétalas de rosas vermelhas e muito romantismo. A garota de programa citada acabou sumindo da vida dele até ser encontrada pela polícia. Ela confessou que fugiu dele, porque não suportava a sua obsessão. Ele ligava vinte, trinta vezes, queria vê-la diariamente e começou a sentir-se dono dela.
Com medo, ela fugiu dele. Um dia sua mulher descobriu um frasco de estimulante sexual e o questionou (já que a vida sexual deles era morna ou quase inexistente). Sentindo-se ameaçado, ele planejou a morte da mulher nos mínimos detalhes. Mas acabou sendo preso, julgado e condenado à prisão perpétua.
Um médico, na meia-idade, querido e respeitado na cidade, era viciado em sexo, e pior, um assassino. Quem era esse sujeito? Quantos existiam dentro dele? Por que o seu lado sombrio acabou prevalecendo sobre o médico, pai de família e cidadão exemplar?
Todas as semanas chega ao meu conhecimento esse tipo de história e a perplexidade que a acompanha. Uma cliente estava enlouquecida, porque seu marido aos cinquenta anos resolveu usar suas roupas íntimas. Outra descobriu que seu namorado um respeitável político em sua cidade, mantinha um apartamento onde recebia rapazes para encontros sexuais.
Mais que simples hipocrisia, mais que simplesmente se resumir ao “faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço”, esses comportamentos, secretos e destoantes, representam a fratura entre o ego social, cultural, educado – e os abismos do Inconsciente. Essa é a explicação, aliás perfeita, da Psicanálise. Porém, acima de tudo isso, existe o fator espiritual que pode ser o fiel da balança orientando as nossas ESCOLHAS.
Dizer que esses comportamentos perturbadores são coações irresistíveis, como se fossem drogas pesadas, é querer enganar os “jurados”. É certo que algumas dessas pulsões que nos empurram rumo à transgressão, ou à violação dos códigos que aceitamos e professamos, são avassaladoras, mas só chegaram a esse ponto porque fizemos escolhas lá no início, escolhemos nos deixar embalar pelo nosso lado sombrio, escolhemos não lutar contra as tentações, escolhemos apertar a mão do diabo.
Desde criança quando sentimos desejos de matar o pai ou a mãe, ou o irmão, entramos em contato com esses diabinhos ativos nos abismos de nossa mente, mas apenas uma ínfima minoria deixa que esses bichos das profundezas assumam a direção do nosso veículo com um adesivo que diz: “Dirigido por mim e guiado pelo capeta”.
Não quero parecer simplista em dizer que controlar nosso lado sombrio é um passeio no parque e que todos têm as mesmas oportunidades para permanecer no controle. As variáveis são muitas e como diria o sábio chinês: “cada caso é um caso”.
As pessoas bem-sucedidas socialmente tendem a se sentir mais “liberadas” para viver esses lados sombrios que naturalmente estão associados às zonas de prazer mais primitivas. Não só isso, essas pessoas tiveram de fazer muitos “sacrifícios” para “chegar lá”, tiveram de renunciar a muitos prazeres frugais para atingirem seus objetivos ambiciosos. Por isso, numa certa altura de suas vidas, os capetas reprimidos e não conhecidos, voltam com tudo, aproveitando que agora a guarda do ego baixou. Sentindo-se com as “costas largas” e um passaporte para esses mundos dos prazeres proibidos, onde tudo é possível – ao invés de dizer “o céu é o limite”, eles têm certeza de que o inferno é seu parque de diversão, com tudo incluso.
A busca de uma religião que faça o trabalho repressor e sublimador por você, é muito perigosa e enganosa. Os demônios acabam se adaptando bem às correntes das doutrinas repressivas. As crises de consciência que emergem são terríveis, os conflitos interiores, silenciosos e sofridos secretamente são tormentos infernais para quem vive essa vida dupla. Por maiores que sejam os mecanismos que se crie para lidar com esse arranca- rabo moral, dificilmente se consegue evitar o dilaceramento por dentro, e mais ainda não se consegue evitar totalmente que essa guerra se torne visível para quem está de fora.
Por isso, a rigidez dos valores morais, a rigidez de comportamentos sociais está quase sempre ocultando ou até propiciando a fortaleza dessas lavas vulcânicas. Esse é um paradoxo também velho conhecido da Psicanálise. Os valores que podem combater eficazmente esses senhores das trevas internos são aqueles gerados no desenvolvimento espiritual, quando chegamos a um ponto em que nos vemos como espírito, e vemos o outro como espírito. Essa percepção profunda da identificação humana não nos permite agir contra essa humanidade comum. Essa identificação com aquilo que há de mais humano nos seres humanos é que constrói o deus interno e é a grande força que pode combater os diabos da satisfação dos desejos sensoriais.
Essa luz que projetamos dentro de nossas mentes vai iluminar esses outros eus perigosos, antevida, mas não vai matá-los, (porque não pode) e sim apenas iluminá-los, identificá-los, tirar a sua letalidade de escuro, e dizer: “Ah vocês estão aí, não é? Eu estou lhes vendo, estou de olho.”
As terapias podem ajudar muito, mas não podem fazer esse mergulho na luz espiritual, que é pessoal e intransferível.
Diante de tudo isso o diabo argumenta: Mas para que tanto esforço? Para que resistir às tentações? Por que não liberar geral?
Aí precisamos responder: Porque pode levar à prisão perpétua, ao arrependimento perpétuo e à vergonha perpétua.”