por Regina Wielenska
Já faz duas décadas que fui procurada em meu consultório por um senhor na casa dos sessenta anos. Num certo momento da terapia, quando já interagíamos há meses e discutíamos como lidar com sintomas residuais de uma depressão, ele conseguiu trazer à baila uma nova queixa.
Por sequelas vasculares do diabetes, ele se tornara incapaz de ter ereções, e se ressentia imensamente por não mais conseguir dar prazer sexual à esposa. Filhos adultos, vida profissional bem-sucedida, aquele homem, devotado à família e muito religioso, havia tido aquela mulher como sua única parceira sexual.
Eu era bem mais jovem, havia sido treinada a atender clinicamente queixas relacionadas ao desempenho na cama, mas não posso afirmar que estava totalmente á vontade para abordar o tema com meu cliente, cerca de trinta anos mais velho do que eu, de comportamento circunspecto e mostrando-se bem constrangido para falar de sexo.
Não se tratava de um problema emocional que impedia o desempenho. Na verdade, o problema era o oposto, sofria emocionalmente por não ser fisicamente capaz de desempenhar-se a contento.
Conversa vai, conversa vem… expliquei que qualquer vergonha que por ventura sentíssemos precisaria ser posta de lado em benefício da busca por soluções.
Foi muito bacana quando consegui entender que a falha erétil "só" lhe trazia sofrimento porque supunha que para sua mulher sexo era condição sine qua non da vida conjugal, e tal suposto tornava tudo muito ruim. Perguntei ao meu cliente o que ele sabia do prazer da mulher. Escutei meu cliente. Na sua acepção, no sexo entre um homem e uma mulher a penetração era a chave do prazer, esse não existiria sem o contato do pênis dentro da vagina.
Levei algumas sessões num trabalho que eu chamaria de psicoeducação sexual, algo incomum a se fazer com alguém da idade do senhor a quem eu atendia. Primeiro discuti o fato de que para a mulher geralmente o prazer se inicia bem antes da cama, muito antes do casal botar os trajes de lado e começarem, nus, a trocarem carícias. Valorizar a mulher, ser romântico e/ou lhe dizer palavras apimentadas na medida exata, saber lançar mão de um olhar de volúpia, ser gentil, fazer a mulher rir, sem ser ridículo, talvez dançar, mesmo sem saber dar meio passo, tudo isso é meio caminho para o prazer na hora h. Tudo isso estava ao alcance do meu cliente, era uma questão de refinar habilidades de comunicação e expressão de sentimentos.
Depois que trabalho os vários aspectos envolvidos neste tópico nos aproximamos de fazer o cliente aprender o mais óbvio dos segredos, a importância de estimular o clitóris, aquele pequeno tecido, rico em enervação, capaz de trazer muito prazer à mulher quando tocado, seja direta ou indiretamente. Prazer exclusivamente pela penetração é quase um fato ficcional. Claro que, a depender da posição experimentada pelo casal, pode haver estimulação do clitóris simultaneamente e aí todos ficam felizes porque encontram o tão almejado caminho da Vila Clímax.
Por que mulheres podem ter potentes orgasmos fazendo uso de brinquedos sexuais, até sem penetração? Por que mulheres se masturbam e extraem muito prazer dessa secreta atividade? Devagar fui explicando tudo isso ao cliente: sua esposa pode ter muito, muito, muito prazer se o senhor conseguir dar prazer tátil à esposa, seja por sexo oral, carícias com os dedos e palma da mão, com o peso do corpo ou com vibradores. Para um casal tímido, fechado, que cresceu num meio religioso mais conservador, minhas palavras soavam como pura audácia. Discuti tudo aquilo no contexto da conjugalidade construída entre eles, da biologia e dos valores que regiam a vida de meu cliente.
Não consegui trazer a esposa às sessões, ele me garantiu que ia conversar aos poucos com ela e tudo me indicou que aos poucos ele descobriu a fina arte de excitar e levar sua esposa ao orgasmo, sem precisar de seu pênis ereto para que tudo acontecesse. Preconceitos foram quebrados, uma gentil dessensibilização aconteceu entre marido e mulher e na quarta década de casamento eles descobriram delícias que antes nunca souberam que existissem. Muito estranho pensar que a partir de um limite físico brotou um novo repertório de relacionamento sexual, mais rico, livre e cheio de intimidade. Ainda bem, e é por essa e outras que amo ser terapeuta.