Vigorexia: será que sofro desse mal?

Vigorexia: saiba o que é, conheça os sintomas e veja um questionário de 11 perguntas destinado a pessoas possivelmente vigoréxicas

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“Sempre gostei de malhar, de ter um físico sarado, bem definido, barriga tanquinho. Sofri muito durante a pandemia quando as academias ficaram fechadas. Com a abertura das academias, depois de um tempo sem malhar em todos os equipamentos que estou acostumado, voltei com muita sede ao pote, meu educador físico já me alertou sobre o risco de overtraining e resiste em aumentar meu treinamento. Ele acha que posso estar com fissura ou dependência psicológica por atividade física. Ele me disse que isso se chama vigorexia. Fiquei completamente perdido com essa situação, pois quero continuar a malhar, sem ter aquela sensação que está “faltando” e também tenho receio de tomar algum tipo de medicação que possa inibir o meu condicionamento físico, para me curar desse vício. O que eu faço?”

Resposta: Como é do conhecimento de quaisquer pessoas em várias culturas ao redor do mundo, o ideal difundido de imagem feminina tem sido o das modelos e artistas magras e o ideal de imagem masculina tem sido o do musculoso e “rasgado”. Nós todos temos assistido rotineiramente a homens procurando atingir um corpo ideal e este “ideal” pode ser fortemente influenciado pela mídia e pelos nossos pares.

Não há qualquer problema com o desejo de melhorar a aparência física, ganhar massa magra e se sentir mais desejável e saudável. No entanto, existe uma linha divisória entre o que é saudável e o que é problemático.

Vigorexia: sintomas e sinais:

a) Preocupação excessiva com a aparência física, fazendo com que o indivíduo gaste muito tempo puxando ferro ou desenvolvendo outras atividades físicas e grande inquietação com a dieta mais adequada para ser “rasgado”;
b) Foco no ganho de massa magra, através de exercícios intensos e prolongados, em detrimento de obrigações sociais, laborais, familiares, escolares;
c) Mesmo em situações de restrições físicas (lesões musculares, dores, doenças), o indivíduo mantém o treinamento, à revelia das recomendações médicas e dos seus supervisores;
d) O indivíduo comumente acredita que não está com o corpo desejado e os esforços para atingir um “ideal” não cessam.

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A insatisfação com a própria imagem corporal, entretanto, não é um fenômeno atual. Por exemplo, nos tempos medievais, como um esforço para parecer mais “masculinos” e musculosos, homens preenchiam seus calções com feno para aparentar mais volumosos ou mesmo vestiam armaduras vultosas. Se a intenção era a sobrevivência, a intimidação ou mesmo a estética, a insatisfação com a imagem corporal e suas consequências eram também uma realidade.

Vigorexia, bigorexia, dismorfia

Adolescentes parecem mais sujeitos a desenvolver vigorexia

Vigorexia, Bigorexia, Dismorfia Muscular ou simplesmente “Síndrome de Adônis” têm sido uma realidade entre nós. Nessa condição, o foco principal não é sobre quão magra uma pessoa pode ser, mas sim sobre quão grande e muscular ela deve ser. A Vigorexia pode afetar qualquer pessoa. A prevalência desse problema, tanto na população geral quanto entre atletas de elite, não é confiavelmente conhecida.

Adolescentes parecem estar particularmente em risco de desenvolver a Vigorexia. Com o corpo ainda em formação e buscando modelos adultos aceitáveis socialmente, os adolescentes são inundados diuturnamente, através das mídias (abertas, fechadas e sociais), com imagens de homens fortes e viris como o ideal de masculinidade, desejabilidade e aceitabilidade.

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Na prática clínica diária, vemos situações bastante preocupantes. Por exemplo, um fisioculturista de 110Kg e 1,80m dizendo que não se sente confortável em situações sociais, porque se vê muito pequeno; um estudante universitário evidentemente musculoso fazendo “ciclos” com anabolizantes esteroides recomendados apenas para cavalos; outro jovem musculoso usando jaquetas duas vezes maiores do que o seu tamanho atual, porque deseja, um dia, torná-las “naturalmente” justas no seu corpo; e por aí vai…

Síndrome de Adônis: causas

Alguns autores têm comentado que a Síndrome de Adônis é causada por vários fatores concomitantes, incluindo os biológicos e os psicológicos combinados com mensagens midiáticas poderosas e irreais. Alguns destes fatores psicobiológicos são apontados abaixo:

a) Necessidade de se defender contra ameaças (reais ou imaginárias);
b) Desenvolvimento de uma “dependência” por atividades físicas;
c) Busca por simetria corporal;
d) Experiências negativas relacionadas com a autoestima.

Muito frequentemente, os portadores de Vigorexia não procuram tratamento especializado. Isso porque não percebem os prejuízos relacionados com a preocupação excessiva com a autoimagem, as horas infindáveis dedicadas à prática de exercícios físicos e a atenção exagerada com os padrões de dieta. Aqueles que procuram tratamento, geralmente, apresentam alguma consequência negativa da prática excessiva das atividades físicas, do uso inadequado de anabolizantes esteroides e não esteroides, ou devido a sintomas depressivos e ansiosos.

Perguntas a pessoas possivelmente vigoréxicas

Alguns autores têm desenvolvido questionários que são aplicados a pessoas possivelmente vigoréxicas. Abaixo, incluo algumas perguntas de um destes questionários:

1) Quão frequentemente seus relacionamentos pessoais foram afetados negativamente devido ao seu comportamento alimentar e à sua rotina de prática de atividades físicas?
2) Suas preocupações quanto à sua aparência física já lhe causaram problemas no trabalho, na escola, na sua família? Você já chegou a perder oportunidades de trabalho por causa do seu comportamento?
3) Você já deixou de ir ao trabalho, à escola ou encontros sociais por causa dos seus treinos?
4) Você já deixou de ter atividades sociais porque achou que estava fisicamente inaceitável?
5) Quantas vezes na semana você mesmo se critica por causa da sua aparência física?
6) Quanto tempo você gasta na semana praticando atividades físicas com a finalidade de melhorar a sua aparência, de “crescer”?
7) Embora esteja praticando atividades físicas para ganho de massa magra, você se sente triste, ansioso e irritado por não estar atingindo a imagem corporal desejada por você?
8) Quão comumente a sua dieta, os suplementos ingeridos, estão direcionados para o crescimento muscular rápido?
9) Qual é a percentagem do seu salário gasto com suplementos, aparelhos de ginástica, cirurgias com a finalidade de aperfeiçoar a sua aparência física?
10) Você tem feito uso injetável de anabolizantes?
11) Você tem procurado cirurgias para implante de silicone/próteses para parecer maior, mais forte?
Este questionário serve como suspeição para o problema da vigorexia; certamente, ele não é recomendado como ferramenta diagnóstica.

Os vigoréxicos podem apresentar comportamentos altamente destrutivos tanto para si mesmos quanto para quem convive com eles. Abaixo, elenco alguns destes comportamentos:

a) Preocupação excessiva com a dieta;
b) Dispensar atividades sociais, laborais e familiares com a finalidade de treinar;
c) Overtraining;
d) Treinar apesar de lesões musculares ou doenças que demandem descanso;
e) Abuso de substâncias anabolizantes esteroides ou não esteroides;
f) Abuso de outras substâncias psicoativas;
g) Desenvolvimento de comportamentos ritualizados, com a finalidade precípua de cumprir mais horas de treino;
h) Constante insatisfação com a própria imagem corporal;
i) Desconsiderar as necessidades dos seus familiares próximos.

Como abordar um portador de vigorexia

Abordar um vigoréxico não é uma tarefa simples. A abordagem deve ser cuidadosa e empática. Cabe, muitas vezes, ao treinador o início da conversação com o aluno.

O treinador deve conversar calmamente com o aluno/atleta, em ambiente não exposto a terceiros. A preocupação genuína do treinador ou do personal trainer com a saúde do aluno/atleta será um ponto muito positivo no desenlace do problema. A negação do aluno/atleta não deve fazer com que o treinador ou personal trainer simplesmente desista.

Dicas sobre como o treinador pode abordar o problema:

a) Assegure ao aluno/atleta que falar sobre os seus sentimentos e preocupações não significa fraqueza;
b) Lembre-se de que muitos alunos/atletas, inclusive aqueles que treinam no mesmo período, podem também estar preocupados com a aparência física e a autoestima;
c) Tente evitar que o aluno/atleta fique preocupado com o que os outros pensam sobre ele (sobre o seu desenvolvimento físico, por exemplo);
d) Rejeite a ideia de que a imagem corporal do aluno/atleta não pode ser modificada;
e) Dissuada o aluno/atleta de pensamentos do tipo “tudo ou nada”;
f) A mídia não deve ter o poder de ditar como as pessoas devem ser. A individualidade física e psicológica deve ser levada em consideração sempre;
g) Ao seguir as recomendações saudáveis do treinador, o aluno/atleta deve receber devolutivas positivas;
h) Se o aluno/atleta não seguir as recomendações do treinador, ele deve receber devolutivas negativas.
No caso de dificuldades evidentes para superar as preocupações excessivas com a própria autoimagem e para reinventar a rotina de atividades físicas, é recomendável a busca por auxílio especializado. A vigorexia tem evidentes componentes obsessivo-compulsivos e isso deve ser levado em consideração.

O seu treinador foi muito sensato. Você deve reavaliar a sua rotina e o que você está fazendo com a sua vida. Se não conseguir cessar as preocupações e rotinas excessivas de atividades físicas, procure ajuda médica.

Boa sorte!!!

Abaixo, aloco texto para leitura:

Leone JE, Sedory EJ, Gray KA (2005). Recognition and Treatment of Muscle Dysmorphia and Related Body Image Disorders. Journal of Athletic Training 40(4):352–359.

Professor Livre-Docente pelo Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Professor de Psiquiatria do Centro Universitário Faculdade de Medicina do ABC. Pesquisador nas áreas de Dependências Químicas, Transtornos da Sexualidade e Clínica Forense.