Por Monica Aiub
Após 12 anos de Lei Maria da Penha, o anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) – veja aqui – revela o aumento da violência contra a mulher, incluindo casos de feminicídio, homicídio, estupros e violência doméstica.
Poderíamos argumentar que antes os casos de violência não eram registrados, como não o são muitos deles. Mesmo assim, é importante ressaltar a ainda urgente necessidade de políticas públicas em defesa da mulher.
É preciso lembrar, ainda, que não entram nas estatísticas os casos em que as mulheres abrem mão de suas vidas em função de uma relação, para não criar problemas com seu parceiro. Mulheres que abandonam suas vidas, suas carreiras, suas relações de amizade, suas atividades, seus prazeres etc como se isso fosse necessário para um relacionamento.
Além disso, muitas mulheres não identificam o que vivem como violência, sofrendo as consequências físicas e psíquicas geradas pelas constantes agressões. Uma violência naturalizada, tida como “normal”, lida, algumas vezes, como “amor”. Há casos, ainda, em que a violência se estende aos filhos, tornando o convívio familiar o espaço de medo, sofrimento e tortura.
O que faz com que mulheres aceitem viver situações de violência doméstica, submetendo a si e a sua família ao agressor?
O que faz com que homens considerem ter o direito de agredir suas companheiras e seus filhos?
O que faz com que homens creiam ter direito sobre o corpo de suas parceiras, podendo fazer com estes corpos o que bem entenderem?
O que faz com que homens creiam ter direito sobre corpos de quaisquer mulheres, como se fossem sua propriedade?
O que faz com que homens acreditem ter direito a controlar e determinar a vida de suas parceiras?
Vivemos os resquícios e ainda a reprodução de uma cultura onde as mulheres foram, por muitos séculos, moeda de troca, propriedade de seus pais e maridos. Seus corpos não lhes pertenciam, pertenciam a seus proprietários. Modos de ser e se portar “masculino” e “feminino” eram – e em muitos casos ainda são – veiculados, impostos e cobrados, exigindo comportamentos específicos que garantissem a replicação dessa condição.
Historicamente, a condição foi modificada. Ainda assim, muitas pessoas ainda carregam consigo preconceitos advindos de tempos passados, veiculando, impondo e cobrando as “esperadas” atitudes “masculinas” e “femininas”.
Nestas, o homem, “violento por natureza”, pode dar vazão à sua violência, sendo esse comportamento compreendido como natural. Por sua vez, a mulher, “submissa por natureza”, deve compreender e aceitar a violência masculina. A compreensão das construções históricas desses preconceitos deveria ser suficiente para que afirmações como estas fossem consideradas não apenas falsas, mas repugnantes. Porém, a reprodução de tais ideias de modo irrefletido, a circulação delas e sua naturalização acabam por torná-las não apenas aceitáveis, mas, em alguns contextos, regras de ação.
Algumas pessoas pensam que estas ideias permanecem por falta de acesso ao conhecimento, por ignorância, mas isso não é fato. É possível, e também comum, encontrar pessoas que vivem segundo tais “regras” ainda que tenham acesso à informação, que tenham conhecimento acerca da história.
É preciso pensar e repensar as relações que estabelecemos, nossos papéis, nossos direitos, nossos deveres. É preciso que tenhamos espaços de conversação sobre tais questões e que possamos, a partir das conversas, veicular a necessidade de um convívio respeitoso, no qual ninguém tenha direito sobre os corpos dos outros, onde ninguém tenha o direito de agredir, de violentar, de estuprar, de matar. O respeito é natural! Não deveríamos precisar de uma lei que garantisse isso, mas os índices de violência contra a mulher mostram que a lei é necessária, mas ainda não é suficiente. É preciso mais!
É preciso ensinar nossos filhos que o respeito é natural, é bom, é necessário. É preciso ensiná-los a conviver respeitando o outro e sendo respeitados. É preciso que sejamos o exemplo. Por isso, homens, respeitem as mulheres! Mulheres, exijam respeito e respeitem a si mesmas! Pais, não agridam ou violentem suas crianças, ensinem o respeito.
Isso seria um passo, mas ainda é pouco. É preciso que estas discussões estejam inseridas nos contextos educacionais, que sejam assunto de aula, ensinando a crianças, adolescentes e adultos a necessidade do convívio respeitoso. É preciso que a temática seja incluída nas reuniões de pais e professores, no trabalho, nas rodas de conversa entre os amigos, isto é, em todos os lugares. Este não pode ser um assunto proibido.
É preciso que as pessoas saibam identificar quando estão sofrendo uma violência, que conheçam os seus direitos e saibam como se proteger. Mas também é preciso que tenhamos políticas públicas que garantam a proteção das pessoas que sofrem a violência doméstica, pois denunciar e voltar para casa com o agressor é, muitas vezes, arriscado.
É, ainda, necessário que haja políticas públicas que ofereçam cuidado, assistência, orientação tanto às vítimas quanto aos agressores, para que todos possamos aprender que natural é o respeito.
É preciso instituir a cultura do respeito.