por Elisa Kozasa
“… podemos viver por mais alguns dias, meses ou anos. Quem sabe? Será que vale a pena cultivar valores pequenos e nos agarrar a eles até a morte? Ou será que vale a pena nos libertarmos dia a dia, cultivando valores maiores, vivendo com dignidade, e sabendo tirar proveito de diferentes quantidades de conforto e bens, mas que são apenas apoios para nossa jornada em vida?”
“Morte? Nem quero pensar nisso!”. Talvez esse tenha sido o primeiro pensamento que veio à mente quando alguém leu o título deste artigo. Essa reação faz parte de nossa tendência natural de querer negar ou tentar esquecer que ela vai acontecer algum dia para nós mesmos e para as pessoas mais queridas. É como se a morte fosse uma poderosa inimiga, invencível, então é melhor desfrutar a vida enquanto ela não chega.
Mas, trazendo o aprendizado das artes marciais, negar a existência de um “inimigo” é o que temos de menos efetivo a fazer. Nada melhor do que tentar conhecê-lo, nos preparar para enfrentá-lo e até mesmo nos aproximar para compreendê-lo e trazê-lo para nossa intimidade. No final, talvez seja possível até reconhecer que o “inimigo” não existe.
É claro que é importante procurar viver bem, com qualidade, dignidade, cercado de pessoas queridas, porém, é igualmente importante morrer bem, com qualidade, dignidade e cercado de pessoas queridas. Essa conquista, porém depende de um cuidado com nossas palavras, atitudes e prioridades.
Assim como viver bem exige planejamento, e preparo no dia a dia, morrer bem também. Um exemplo de Geshe Lhakdor, um importante monge da linhagem tibetana, é para mim inesquecível. Ele disse para imaginarmos duas pessoas que sabidamente estão para morrer nos próximos dias, e que de repente começam a discutir, a se ofender e a brigar por coisas pequenas. Não pareceria um absurdo? A morte está ali para acontecer nos próximos dias e elas ficam presas a comportamentos mesquinhos, ao invés de procurar se tranquilizarem e se prepararem para deixar tudo isso, pois sabem que a vida é efêmera.
Pois bem, só que este exemplo poderia ser aplicado a qualquer um de nós, pois de certa maneira somos “pacientes terminais”; podemos viver por mais alguns dias, meses ou anos. Quem sabe? Será que vale a pena cultivar valores pequenos e nos agarrar a eles até a morte? Ou será que vale a pena nos libertarmos dia a dia, cultivando valores maiores, vivendo com dignidade, e sabendo tirar proveito de diferentes quantidades de conforto e bens, mas que são apenas apoios para nossa jornada em vida?
Será que vale a pena deixarmos para pensar em tudo isto quando formos efetivamente considerados como pacientes terminais por uma equipe médica?
Atualmente, há uma crescente valorização dos chamados cuidados paliativos. Os profissionais dessa área têm a missão de, uma vez sabido que não há possibilidade de cura, trazer a melhor qualidade de vida para o paciente, por exemplo, reduzindo a dor intensa resultante de um câncer metastático. Existem ainda os hospices, locais para onde esses pacientes podem se encaminhar e além de todo cuidado da equipe de saúde, que envolve, médicos, fisioterapeutas, assistentes sociais e psicólogos, dentre outros, inclui a presença de voluntários e religiosos para dar conforto espiritual. E é claro, é fundamental a presença dos familiares e amigos.
É claro que esses cuidados todos fazem uma grande diferença, mas nada como se ocupar o quanto antes de Viver bem para Morrer bem.
Dicas de leitura:
Rinpoche, Sogyal. O livro tibetano do viver e do morrer. Ed. Palas Athena, São Paulo, 1999.