por Dulce Magalhães
“Vocação representa o caminho mais direto para plenitude existencial”
Como vimos a palavra vocação vem do latim vocare que significa chamado – veja aqui. Responder a esse chamado essencial é descobrir, reconhecer e aplicar os dons que são o legado da vida para essa existência.
Em termos metafóricos, devemos seguir o impulso daquilo que nos faz arrepiar, ou seja, de tudo que mexe com os diversos níveis de nossa consciência, seja do ponto de vista físico, mental, emocional ou espiritual.
Quando o antropólogo Carlos Castañeda pergunta a Don Juan, um xamã mexicano que se tornou seu mestre, como reconhecer um bom caminho, o sábio responde com a tranquilidade de sua experiência transcendente: um bom caminho é aquele que contém coração.
Em outras palavras, o mestre nos ensina que o caminho que merece ser percorrido é aquele que nos captura, que aquece nosso olhar e motiva nossos passos. Um caminho com coração é a jornada que nos revela, que nos permite reconhecer quem somos, de onde viemos e para onde vamos.
Esse chamado a que damos o nome de vocação é antes de tudo um convite para celebrar a própria existência. Há algo profundamente mobilizador em se fazer aquilo que se nasceu para fazer. Uma boa forma de identificar se estamos percorrendo a trilha certa é o senso de leveza com que nos conduzimos. Nenhum esforço representa sacrifício, nenhum trabalho é demasiado. Tudo está circunscrito pela experiência maior que representa a vocação.
Dentro dessa perspectiva, vocação representa o caminho mais direto para plenitude existencial. Assim poderemos compreender que, ao tratarmos da vocação, não estamos restrigindo-nos ao tema da carreira ou trabalho, mas a tudo que afeta, organiza, orienta e realiza a vida.
Como o caminho está todo sinalizado e cada um há de percorrer sua estrada, pois não há erros, tudo é lição. Essas dicas são um dos diálogos que a realidade está propondo a cada instante. Não há coincidências, tudo é sincrônico e interligado. Assim sendo, tudo o que nos cabe é estarmos atentos para não perder de vista os sinais que podem nos levar pelo atalho mais rápido e tranquilo.
Na busca de si mesmo
Perguntaram ao genial poeta português, Fernando Pessoa, a difícil questão: quem é você? Pessoa respondeu com a lucidez que só os poetas costumam ter: eu sou algo entre aquilo que quis ser e aquilo que quiseram fazer de mim.
Todos estamos entre esses dois polos, o que desejamos e o que sentimos como nosso dever. Durante toda a nossa infância recebemos condicionamentos que nos ajudaram a organizar a vida e lidar com os desafios. Contudo, isso funciona só até certo ponto, pois esse processo também cria as barreiras e limites de nossa atuação, definindo as fronteiras que podemos ou não cruzar.
Fomos muito condicionados para o dever, nos sentimos culpados ao não cumprir com o que julgamos nossa obrigação e temos dificuldade de abrir mão daquilo que nos é imposto, pois foi assim que concebemos a realidade.
Para o despertar vocacional teremos que fazer escavações na profundidade do ser e encontrar os resquícios da essência que nos fundamenta. O caminho vocacional é também o terapêutico, ou seja, é a condição que nos permite transcender antigas e limitantes visões interiores e redesenhar os cenários internos que nos darão a liberdade para sermos, de fato, quem somos.
A vocação, num sentido mais figurado, é uma cura sistêmica que reorienta e reorganiza a experiência, em todos os âmbitos, e faz com que trilhemos cada vez mais o caminho autoral. Um indivíduo verdadeiramente vocacionado não poderá jamais estar alienado de si mesmo, pois este é o sentido mais exato da vocação, o autoencontro, a aliança consigo mesmo, o revelar de dons e o senso de certeza e segurança que nenhum elemento externo pode suprir ou superar.
Por outro lado a vocação não é aquilo que esperam de nós, tendo em vista a singularidade de cada ser, qualquer expectativa alheia é fruto, única e exclusivamente, do modelo de mundo daquele que detém a expectativa. Nós somos, como disse o poeta, uma mescla entre vocação e expectativa. Todo o exercício é despertar para perceber a diferença entre esses dois polos e se orientar na direção vocacional.
Seria muito bom se houvesse uma fórmula universal para realizar tão hercúlea tarefa, mas não há. Tudo que existe é vontade de caminhar ou inércia. Uma nos conduz pela estrada e, mais cedo ou mais tarde, nos permitirá encontrar a alavanca para o *salto quântico da realização. A outra é a proposta de manutenção do modelo conhecido e que, mais cedo ou mais tarde, nos conduziáa a um sentimento de inadequação e insatisfação crescentes. Nos cabe decidir que proposta vamos perseguir. Continuaremos o assunto no próximo artigo. Por enquanto vai refletindo sobre isto. Suerte!
* Salto quântico: expressão que significa progresso em muitos níveis de crescimento num único instante.