por Angelo Medina
Há duas maneiras de lidar coma realidade: beijá-la ou negá-la. Muitos não agem e criam a ilusão de que as coisas irão melhorar.
Para o escritor José Luiz Tejon que lançou recentemente 'O Bejjo na realidade' (Editora Gente), a diferença entre ser feliz e ser infeliz está naquilo que fazemos com as realidades encontradas.
Nesta entrevista ele explica a diferença entre sonho, ilusão e revela o que é na prática dar um beijo na realidade e te ajuda a vislumbrar sua realidade secreta.
Vya Estelar – Qual é o limite entre realidade e ilusão?
José Luiz Tejon – O problema não é o limite entre a realidade e a ilusão, o grande problema é confundirmos sonhos com ilusões. O sonho sempre caminha na frente do real. O sonho, ao contrário da ilusão, nasce do aprofundamento, do vôo, acima da linha da superfície do real. A realidade é um portal. A ilusão é a vontade utópica e exclusivamente imaginária, fruto do desvario enlouquecido do cérebro, sem fundamento no universo, no entorno que nos cria e nos envolve. O sonho é ativo, a ilusão é passiva. O sonho é evolutivo, a ilusão é droga, a pior de todas. Sonho é o que você faz com a realidade enquanto sonha. Ilusão é o que a realidade faz com você enquanto você se ilude. Ilusão é o engano da mente e do sentimento, a loucura dos não loucos. Sonho é o desejo a convicção veemente, a energia criadora do humano.
Vya Estelar – Qual é o primeiro passo para aceitar a realidade e não negá-la?
José Luiz Tejon – Primeiro é levar o choque de realidade. O tsunami que te pega ou a notícia esperada de conquista que você aguardava. Reconhecer e levar esse choque é o primeiro passo. Muitas vezes somos eletrocutados por choques de realidade, mas vivemos anestesiados e não sentimos. Então, em estado 'zumbi ', seguimos como se o entorno não houvesse e caminhamos na vida alienada. O grande problema dessa situação é que, inevitavelmente, um dia seremos pegos por uma força poderosa que irá nos arrancar desse estado de 'coma', e quanto mais forte for o nosso despreparo, maior será o sofrimento que viveremos e o que faremos outras pessoas viverem ao nosso lado. Atenção, isso não serve só para coisas ruins – sob sua ótica. Serve também para coisas esperadas e desejadas, ao acreditarmos que uma conquista represente o fim, quando na verdade é simplesmente um humilde começo novo.
Vya Estelar – Como fazer o enfrentamento desse choque com a realidade?
José Luiz Tejon – O primeiro passo é perceber o choque, a terra tremeu, seus registros identificaram o tremor. Em seguida, depois da natural reação humana de negação, choro, fuga, reclamação, ou – na coisa boa – euforia, alegria, sensação de que chegou lá e agora é usufruir, que esse momento vai se eternizar; devemos cair na real, assumir a responsabilidade, não culpar os outros, o mundo ou nos acharmos hiper-poderosos e indestrutíveis, na conquista momentânea.
O ponto chave é perguntar: "O que eu faço agora com esta realidade?" Colocar o assunto na primeira pessoa. Essa questão nos leva para o próximo passo: Comprender o mundo que nos cerca. Como funcionam os sistemas de poder, como estudar melhor, quais são os segredos a descobrir num determinado negócio. O que eu preciso ver, sentir, saber, que não sabia antes, para criar realidades novas. Depois somos obrigados a buscar consistência, no que fazemos. Sentimos que sem conhecimentos mais profundos e sólidos não conseguimos passar de nível, ultrapassar o estágio onde o choque de realidade nos atingiu. Então caminhamos para a investigação, a pesquisa, a descoberta do novo, do diferente. E, ao final disso, acabamos por gostar e ficamos 'viciados' pela coisa evolutiva de crescer com solidez
Um amigo meu é especialista em pegar empresas concordatárias e falidas e resgatá-las. Nem sempre é possível. Mas em 80% dos casos ele obtém sucesso. Ele é um profissional que só atua nas 'tormentas' dos negócios. Não está nunca em condições tranqüilas. Ao findar seu trabalho, geralmente após uns 2 ou 3 anos, parte para um novo desafio. Ele sabe coisas que nenhum doutorado em gestão do mundo pode oferecer. Ele perdeu o medo pelo difícil e isso cria uma força interior surpreendente.
Vya Estelar – O que seria na prática beijar a realidade?
José Luiz Tejon – Na prática é pegar a prática. Pegar a realidade que te é oferecida pelo mundo e a partir dela, criar realidades novas, recriando a sua própria vida. É a escritora Dona Dulce Mascarenhas. Ela sempre escreveu ao longo de sua vida. Aos 60 anos ficou viúva, os filhos grandes seguiram suas vidas. Ela imprimia seus próprios livros e saía para vendê-los, um a um nos aeroportos brasileiros. Hoje aos 76 anos, já vendeu mais de 70 mil livros, o que é um êxito imenso. É a pessoa do seu bairro que abre a sua loja de armarinhos, conquista a vizinhança, participa da comunidade, começa a dar aulas de tricô, que transforma um lugarzinho pequeno num grande coração. É assim que tudo começa no mundo. A partir da luz, do enfrentamento da realidade. Nada começa grande, tudo surge da semente, da centelha vem a faísca e o fogo da vida.
Vya Estelar – O que você chama de realidade secreta?
José Luiz Tejon – É a realidade que está por baixo ou acima da realidade superficial que tocamos. Tudo é realidade. Elas estão separadas em realidades conhecidas, percebidas e desconhecidas. As desconhecidas são as secretas. A humanidade já conhece muitas realidades, através da ciência, da filosofia, psicologia, história, etc. Porém para muitos de nós, milhões de conhecimentos reais 'conhecidos', não são percebidos. Não prestamos atenção, ignoramos. Mas eles já estão aí. Quando tomamos um elevador não sabemos direito o que o move, como se move, porque é 99,9% confiável. Simplesmente entramos e apertamos um botão. E alguns deles ainda falam conosco. Idem quando acessamos nosso celular, internet, etc. Porém, se você deseja ir a fundo nisso, beijar essa realidade, vai virar um 'expert' na matéria.
A realidade secreta adviria das descobertas novas que você faria, invadindo campos ainda não consolidados de novas realidades a partir daqueles limites já conhecidos. O universo conhecido tem cerca de 36 bilhões de trilhões de estrelas. Sabemos disso. Porém, há um universo desconhecido, uma realidade secreta, que tende ao infinito, absurdamente incomensurável. O fascinante da realidade secreta é o potencial de poderes a serem descobertos pelas pessoas, ampliando imensamente as nossas forças. O caminho para esse 'Santiago de Compostela' íntimo é através das realidades que nos envolvem. Beijá-las é o cajado do encontro com essas forças. A sua realidade secreta é a força de poderes superiores a ser descoberta dentro de você.
Vya Estelar – O senhor conhece uma corrente hindu chamada de shivaista – dos devotos de Shiva – deus destruidor das ilusões. Segundo essa corrente, as pessoas sempre estão em busca do desejo de satisfazer os cinco sentidos e isso não passa de uma ilusão. Tudo que alimenta o ego é uma ilusão. Bem como o mal e os desejos. O que o senhor acha?
José Luiz Tejon – Conheço e gosto muito, estudo essas correntes, assim como outras. No meu livro existe uma corrente híbrida de raízes humanistas que inclui Shiva, mas apontam mais fortemente para o existencialismo de Sartre e Camus, por exemplo, passando pelo materialismo dialético, por OSHO. Negar os desejos, negar a ilusão, criar 'diques' que nos mantenham artificialmente afastados desses estímulos do 'ego', sem prová-los, bebê-los, comê-los ou beijá-los, significaria entrarmos numa outra e tenebrosa ilusão: a de afastarmos de nós a possibilidade de sermos humanos aqui e agora no planeta Terra, como ele é e onde ele está. Beijar a realidade não é evitar a realidade. É aprender com ela e com suas falsas aparências. Amo Clarice Lispector – eterna e intensamente. Vemos sombras da realidade, segundo Platão. Discernir entre essas sombras, as ilusões e o legítimo, a realidade e as realidades secretas e criadoras, é o maior compromisso dos seres humanos neste invisível planetinha Terra, do lado de cá da Via Lactea. Não é possível negar a paixão. É possível aprender com a paixão. Incluindo saber se desapaixonar. Desconstruir lados do seu ego.
Vya Estelar – Mesmo sendo a realidade o alicerce do sonho possível, não se corre o risco de irmos além de nossas possibilidades?
José Luiz Tejon – Sim e maravilhosamente sim. Porém, jamais sozinhos. Essa é a grande lição. E outra bela realidade. Transcendemos, vamos sempre além das nossas possibilidades e, sempre que isso acontece, observe, beije a realidade. Isso nunca ocorre sozinho. Há sempre uma bela conspiração de guias ao seu lado. Então, tenha a humildade para não celebrar sozinho. Agradeça a tudo e a todos quer te antecederam e que te cercaram, visíveis ou não, conhecidos ou anônimos. O grande salto quântico não se dá em vôo solo. O beijo na realidade, a consciência disso é o primeiro passo para essa instigante questão de irmos (SIM) muito além do que pensávamos ser as nossas possibilidades. E isso ocorre por que nunca temos a nitidez do que é verdadeiramente real. Mesmo e principalmente, dentro de nós.
Vya Estelar – Qual é a melhor forma para enxergarmos nossa amarga realidade antes que seja tarde?
José Luiz Tejon – Atenção, a realidade não tem o lado só amargo. Está cheio de realidades doces, montanhas de mel. Todos os dias na sua, na minha vida, tanto a amarga quanto a caramelada, passam ao largo das nossas praias e não enxergamos, na grande maioria das vezes. Não é justo, quando falamos de realidades a pintarmos de coisas ruins e tenebrosas. E quando falamos de sonhos os decorarmos como arco-íris e coisas sempre boas. As pessoas que eu conheço que beijam as suas realidades 'amargas' e recriam a vida são preciosos seres que encontram imensos portais dentro daquela situação considerada ruim pela maioria. Tomam consciência, beijam o problema, relativizam o mal, diminuem a sua importância trabalhando, construindo, focando suas energias na construção criativa do novo e não no amargor do rancor pelo passado. Têm competência para perdoar, principalmente, a si mesmos.
O exemplo do alcoólatra que não percebe e que só acorda no dia do tsunami é exatamente o que configura o 'iludido'. Mas, até o dia do tsunami fatal, preste atenção, centenas de milhares de sinais, códigos, alertas, sirenes… a galera inteira do Maracanã gritando e a pessoa não sente, não escuta e não vê. É Ilusão. O engano do sentimento e da mente. É o que a realidade vai fazendo com você, enquanto você se ilude. A realidade fala, grita, esperneia… Muitos só acordam no dia em que perdem tudo. Então – notícia boa – crescem, se resgatam, sábios de conhecimento com o aprendizado sofrido. E outros – notícia ruim – terminam a vida sem compreender, sem fazer a lição de casa, vociferando contra o mundo, deuses, parentes, amigos eu e você.
Vya Estelar – O senhor afirma que a realidade nos envia sinais, como percebê-los para tomarmos nossas decisões em cada instante da vida?
José Luiz Tejon – A realidade sempre emite sinais. Como um radar envia impulsos que podem ser captados de volta nas nossas telas sensoriais. Isso é uma educação. Deve começar desde criança. Você com seu filho, sobrinho e irmão. E não pára nunca. Sempre que algo do entorno te incomodou, pause. Reflita. Como é isto mesmo? O que está por trás desse sentimento estranho, dessa 'força estranha'? Isso é o que Gil diz sobre 'falar com Deus'. Na minha forma de ver, Deus é toda a obra do universo. Tudo que está, é. Conversar com o que nos cerca é o portal para conversarmos conosco mesmos. Não devemos jogar ping-pong com o mundo, fazendo de tudo para derrotá-lo, como inimigo. Devemos brincar de frescobol, aquele saudável esporte das praias, onde dois amigos ou amigas jogam para que o outro acerte a bolinha e o jogo não acabe nunca. Com o passar do tempo, na peteca, no frescobol, na visão solidária e da compaixão, vamos ficando mais ousados, mais atrevidos, mais curiosos e descobridores, e então, formamos um time de humanos atingindo novas realidades, mirabolantes jogadas, até então, consideradas impossíveis por nós mesmos.