por Aurea Caetano
O conceito junguiano de “Individuação” tem importância fundamental para a discussão acerca do processo de cura ou solução de problemas sobre o qual conversamos em texto anterior – veja aqui.
Para Jung, a individuação é um processo inerente à vida; através dele o ser humano torna-se o que realmente é, torna-se um ser inteiro, indiviso, único, sua melhor possibilidade de expressão.
A ideia da inteireza e unicidade aparece desde os antigos filósofos gregos, o “conhece-te a ti mesmo” é apenas um exemplo.
Hillman, importante pensador pós-junguiano propõe o que chama de “a teoria do fruto do carvalho”. Diz ele que cada um de nós tem dentro de si uma imagem, um daimon “cada um de nós tem seu feitio, cada um de nós é definitiva e até desafiadoramente um indivíduo singular”.
É essa singularidade que está em jogo quando pensamos em um processo de análise. Os conflitos ou problemas que surgem e que fazem com que sejamos procurados em nossos consultórios tem muito a dizer a respeito disso. Grande parte de nosso trabalho é abrir as janelas, deixar a luz entrar, limpar a casa, tirar o pó ou lixo lá acumulados para então decidir como lidar com aquilo que nos pertence, que nos aflige, que ocupa os porões de nossas casas. Definir o que fica e o que vai embora, o que pode ser reorganizado, o que não tem mais jeito e deve ser inutilizado, abrir espaço para o novo.
O fio condutor neste trabalho é o processo de individuação – estamos sempre tentando compreender qual o sentido daquele sintoma ou problema para aquela personalidade. Buscando sempre fazer contato, trazer à tona, o que é essencial, o que é realmente e desafiadoramente “o feitio de cada um”. É preciso discriminar que tipo de semente tenho dentro de mim, ou melhor, que tipo de semente verdadeiramente sou.
Conflitos surgem quando questões difíceis ou traumáticas obscurecem, incapacitam ou invalidam o caminho em direção à melhor realização do que é a minha semente.
Muitas vezes, esquecemos quem somos e o trabalho em psicoterapia passa por tentar fazer lembrar, despertar nossa individualidade, abrir espaço para que o processo de individuação possa acontecer.
Muitas vezes acreditamos que este é um processo fácil, se sou uma semente de carvalho então nada mais natural do que me tornar ao longo da vida um lindo espécime. Esquecemos desta forma nossa responsabilidade acerca deste processo.
Jung dizia que para que uma árvore possa brotar e crescer em todo seu esplendor é necessário, antes de mais nada, que ela possa estar bem plantada, com raízes profundas que possam sustentar seu pleno desenvolvimento.
Precisamos entrar em contato com aquilo que nos move, com o que faz de nós o que realmente somos e buscar nosso caminho verdadeiro. Este é o movimento que norteia o processo de análise e ele não é trilhado sem esforço. É preciso discriminar o que é real e o que é “acessório” ou ilusório e estar aberto a questionar isso o tempo todo. É preciso identificar e confiar em nosso bem mais precioso, nossa semente.
* Hillman, J. O código do ser, 1997. Ed. Objetiva, pg. 21