por Ana Luiza Mano e Bruna Benício Rodrigues – psicólogas do NPPI
No século XXI as TICs (Tecnologias de Informação e Comunicação) vêm influenciando de maneira marcante na vida dos indivíduos, interferindo significativamente em suas atitudes e modos de se comunicarem. As TICs alteram o cotidiano das pessoas, direcionam suas ações e interferem em seus relacionamentos.
Observando as novas formas de interação amorosa neste contexto, apresentaremos aqui dois serviços que oferecem namorados(as) virtuais para os usuários – Invisible Boyfriend e Invisible Girlfriend. Como funciona: o usuário entra no site e preenche um breve cadastro; após esta etapa, é necessário escolher uma foto para representar seu par romântico (há diversas fotos de pessoas que cederam os direitos de imagem para o site); em seguida elege-se a personalidade do par fictício, optando-se dentro de seis modelos preestabelecidos. O nome do(a) parceiro(a) é designado de forma randômica. Por fim, é possível também elaborar a história de como se conheceram.
Uma vez iniciado o contato com esse parceiro virtual, o usuário passa a trocar mensagens com alguém "de carne e osso" -, não se trata de um robô. Há pessoas, e não máquinas, do outro lado da tela. Cada vez que o usuário envia uma mensagem, alguém a responde, porém o site segue um esquema rotativo: após um determinado número de mensagens, troca-se a pessoa com quem o usuário está conversando, porém sem avisá-lo disso. A continuidade da conversa se mantém; todos que trabalham neste serviço devem "interpretar" o papel que foi contratado inicialmente e seguir as diretrizes de personalidade da personagem. Para isso, os funcionários têm acesso às dez últimas mensagens recebidas antes da troca de pessoas. Vale ressaltar que é possível que se esteja falando tanto com uma mulher, quanto com um homem, ambos interpretando o gênero que tiver sido contratado. Já para quem utiliza o site, é possível comprar pacotes de mensagens, permitindo assim uma quantidade predeterminada de trocas até o esgotamento do limite contratado.
A esta altura, pode-se perguntar: o que leva uma pessoa a procurar um relacionamento que, devido a seu caráter fictício, seria à prova de fracasso e erros? Outra pergunta possível: de que maneira as pessoas têm lidado com seus relacionamentos, para precisarem recorrer a este tipo de serviço?
A população de nossos tempos está se acostumando a ter relacionamentos na mesma velocidade da tecnologia, e espera sempre que tudo aconteça da forma imaginada. A frustração parece ser cada vez menos tolerada no mundo moderno. Desse modo, é natural que se espere que o(a) parceiro(a) ideal seja alguém que venha "pronto para o uso" – como uma comida de micro-ondas – e não que a relação se construa para chegar a um patamar de equilíbrio. Sem dúvida, é significativamente trabalhoso manter-se um relacionamento com alguém real, pois isto requer investimento de tempo e muito empenho. Se as gerações anteriores "aguentavam" tudo, algumas vezes até relações que passavam do limite saudável, os componentes da geração mais recente por vezes preferem viver sozinhos, e, desse modo, não têm que "aguentar" nada. Hoje vemos pessoas norteadas pelo imediatismo e pela ansiedade, características que correspondem a uma grande parcela dos sujeitos contemporâneos.
Voltando aos sites em pauta, alguns poderiam atribuir ao uso dos mesmos uma conotação erotizada, porém ocorre que nele não são permitidas trocas de mensagens desse cunho, tampouco num tom que possa insinuar algo similar. No momento da contratação do serviço, estas condições são anunciadas e o não cumprimento das mesmas resulta em suspensão da conta do usuário. A real proposta do site é que aconteçam conversas sobre o cotidiano, como se de fato essas duas pessoas fossem um casal. O criador do serviço alega que seu círculo social sempre fez muitas cobranças para que ele estivesse num relacionamento sério, e durante eventos comemorativos, acabava tendo que justificar-se para todos. Dessa forma, ele imaginou que outras pessoas poderiam esta passando pela mesma situação e que poderiam beneficiar-se de um serviço como esse.
Portanto, o site foi criado com o intuito de "cobrir um buraco social" que certos indivíduos podem viver diante da família e amigos, por não estarem envolvidos em um relacionamento.
Tendo como norte as relações sociais e o contexto geral que influencia as atitudes e ações dos sujeitos, vivemos numa cultura que estipula que é melhor estar com alguém do que estar só, e muitos terminam por se envolverem em relacionamentos fictícios a fim de driblar ou falsamente atender a essa cobrança.
Numa sociedade onde a cultura vigente é a do "descartável" e das relações líquidas, onde quase não se enxerga vantagem em suportar as agruras da vida, justificar-se para os outros parece ser algo muito sofrido. Ainda assim, ser diferente, remar contra a correnteza, pode ser uma condição saudável e importante para a vida afetiva. A questão é: como lidar com o preço social que se paga por se permitir viver uma vida onde se é, de fato, protagonista da mesma.
Mas, para além desta possibilidade de uso do serviço, uma parte dos usuários aproveita esta ferramenta como forma de prática ou ‘treino’ da abordagem inicial numa possível paquera. Nessa condição, esse relacionamento continuaria sendo fictício? Afinal, uma interação entre dois seres humanos estaria acontecendo de fato. Essa vivência poderia ser válida como forma de treino de habilidades sociais? Sim, porém lembrando sempre que a relação se dá com alguém predisposto a não decepcionar o outro, uma vez que é um serviço pago e que tem a intenção de manter o cliente engajado. Então, neste caso, é uma relação mediada pelas regras do aplicativo, não pelos combinados elaborados a dois, como efetivamente ocorreria em um relacionamento convencional.
Buscar relacionamentos reais (ainda que sejam pela internet) parece ser uma saída mais saudável do que entregar-se à ficção, em nome de uma dificuldade de estabelecer um limite social com amigos e parentes. Ao utilizar (ou não) qualquer serviço tecnológico, fica a critério do usuário refletir sobre sua motivação ao fazê-lo. Recomenda-se que o faça com responsabilidade emocional, e não numa tentativa de escapar, através de uma ferramenta, da tarefa existencial de lidar com as próprias questões afetivas e emocionais.