por Patricia Gebrim
Outro dia assisti um vídeo sobre uma interessante prática dos monges budistas tibetanos. Sobre uma superfície plana, os monges chegam a passar um mês criando as mais maravilhosas mandalas, com a ajuda de finos tubos de metal por onde a areia é depositada.
Essa “areia” é também feita por eles. Pedras brancas são moídas e depois tingidas com guache opaco, produzindo os tons fortes necessários para criar o impacto que as mandalas causam em quem as vê.
Mas o que me chamou a atenção e inspirou este artigo é o fato de que, após todo esse trabalho minucioso e exaustivo, os monges destroem a mandala, usando o vento ou mesmo varrendo a areia, que é considerada abençoada e usada para beneficiar as terras ou rios onde é jogada.
A destruição das mandalas é um ato ritualístico que representa a impermanência da vida. Tudo passa. Não há como impedir que isso aconteça. Percebo que os orientais são muito mais preparados do que nós, ocidentais, para lidar com essa verdade.
Por volta de 1700 um famoso químico francês chamado Antoine Lavoisier criou a célebre frase: “Na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”. Isso nos leva a pensar que, ao menos racionalmente, deveríamos já saber que é impossível reter a vida em nossas mãos.
Apesar disso, continuamos teimosamente lutando contra a essência da vida. Ao invés de fluirmos com a vida, leves, serenos, confiantes de que o momento presente é o que temos de mais precioso; tentamos aprisionar a vida como fazíamos quando éramos crianças e prendíamos as pobres borboletas em potes de vidro até que terminassem mortas, para nossa tristeza e decepção.
– Quantas borboletas teremos de matar para aprender que a vida precisa de liberdade para continuar a existir?
Temos essa tendência de criar apego a tudo o que nos toca. Não nos basta fluir pela vida, temos que possuí-la. Não nos basta observar, extasiados, o lindo voo da borboleta azul que surge inesperadamente em nosso caminho, temos que prendê-la com um alfinete em um quadro para que seja nossa para sempre.
– Quando aprenderemos o quanto perdemos com isso?
O mesmo se passa nos relacionamentos. Um dia conhecemos alguém que nos parece brilhante, colorido, uma pessoa cheia de vida que nos encanta. Em um primeiro momento mal podemos crer que algo tão belo tenha cruzado nosso caminho. E então, aos poucos, desperta dentro de nós o “monstro assassino de borboletas” e passamos a querer garantias. E passamos a querer controlar, possuir e aprisionar.
A verdade é que ainda não aprendemos a amar. Ainda sabemos muito pouco sobre esse amor que liberta, que permite, que respeita, que se recusa a ter asas de borboleta esmagadas nas palmas de suas mãos.
A vida tem sua própria pulsação. A vida tem uma sabedoria maior que guia cada pequeno evento. Acreditem, nem mesmo uma folha de árvore se desprende do galho que a acolhia sem que essa sabedoria maior esteja por trás da rajada de vento que a libertou. Se soubéssemos disso confiaríamos mais, abriríamos as mãos, nos soltaríamos e nos permitiríamos ser levados, sem apegos, sem tanto medo, sem precisar aprisionar os ponteiros do relógio, como se isso fosse capaz de fazer o tempo parar.
Até mesmo a ciência já sabe disso. No início dos anos 60 a ciência do caos começou a estudar essa questão. Estudando sistemas complexos, a Teoria do Caos aponta para o fato de que muitas vezes a ordem surge, de maneira espontânea, dentro de estados aparentemente caóticos.
Ou seja, não importa o quanto a vida nos pareça desorganizada, incontrolável e, algumas vezes assustadora, existe uma ordem implícita escondida em suas entranhas, prestes a surgir, a nos encantar, nos acolher, nos elevar às alturas onde voam as mais belas borboletas.
Claro que tais voos são rservados aos corajosos.
A única forma que temos de ter uma vida controlada é torná-la restrita e medíocre.
Uma vez li, em algum lugar uma frase que tento reproduzir e deixo como reflexão final para este artigo:
“Quanto mais tentamos controlar a vida, menos vida temos para controlar”.