por Monica Aiub
Como você se sente nos ambientes que frequenta? Como se relaciona com sua própria casa? Como se sente com você mesmo?
Muitas das pessoas que procuram o consultório de filosofia clínica trazem questões relativas a seu lugar no mundo. Pessoas que se sentem fora do lugar, como se não pertencessem a esse mundo. Pessoas que, de uma hora para outra, descobriram-se num lugar que não é o seu, num mundo ao qual não pertencem.
Algumas sabem identificar os ambientes onde se sentem bem, procuram esses lugares constantemente, mas nem sempre podem optar por frequentá-los. Outras identificam claramente diante de quê se sentem mal, mas por questões circunstanciais não conseguem evitar esses lugares. Muitas vezes o bem-estar ou mal-estar não se deriva do ambiente físico, não se trata de apontar algo específico como um lugar úmido, frio, escuro, fechado, mofado… O problema se dá a partir de sensações ou relações estabelecidas. Climas existenciais, pressões mais psicológicas que atmosféricas. Você já esteve em alguma situação assim?
"De repente, a casa que construí com tanto carinho, cada detalhe escolhido com cuidado, tornou-se o ambiente que não suporto, aquilo me faz mal. O que aconteceu? O trabalho para o qual eu me dirigia com felicidade (enquanto os amigos se questionavam se eu havia enlouquecido ou se deveriam me invejar – afinal não são muitos os que se dirigem ao trabalho com prazer e felicidade), num rápido movimento se tornou o local onde não quero mais frequentar. Mas não posso abandonar minha casa, nem meu trabalho. Dependo disso para minha sobrevivência, pior, outras pessoas dependem disso para a própria sobrevivência. O que fazer?"
"O caso é que nunca encontrei um lugar que gostasse de frequentar. Enquanto meus familiares sentiam-se bem em casa, eu buscava a minha própria casa; enquanto os colegas gostavam da escola, lá era o meu inferno; o trabalho então, não faz o menor sentido ir àquele local e desenvolver aquelas atividades. Faço porque não sei o que fazer, frequento esses lugares porque não conheço outros que possa frequentar. Acho que não sou deste mundo. Quando encontrarei meu mundo? Tenho a sensação de que esta não é a minha casa e que um dia retornarei para a minha verdadeira casa? Quanto tempo terei que esperar para retornar ao lar?"
Quando em filosofia clínica observamos a categoria Lugar, consideramos o lugar existencial, como nos propôs Merleau-Ponty (1908-1961) em Fenomenologia da Percepção: "(…) eu não estou diante de meu corpo, estou em meu corpo, ou antes sou meu corpo". Mais adiante, no mesmo texto, ele afirma: "O corpo próprio está no mundo assim como o coração no organismo; ele mantém o espetáculo visível continuamente em vida, anima-o e alimenta-o interiormente, forma com ele um sistema".
Lembro de um professor que dizia: "Quando alguém pede para que eu guarde seu lugar na fila, digo que não posso e a pessoa fica brava. Como posso guardar o lugar de alguém se o lugar é o próprio corpo?". Com essa observação ele nos ensinava que o lugar existencial é nosso próprio corpo.
Mas afinal, o que é o corpo como um lugar? Se o considerarmos apenas a matéria, ele será tal qual um espaço geográfico com o qual podemos nos relacionar bem ou mal. Quem é esse com o qual nos relacionamos, ou quem somos nós que nos relacionamos? A pergunta é antiga e colocada como um problema filosófico no século XVII, com Descartes. Ele afirmava que somos feitos de duas substâncias distintas: corpo e mente. O corpo é material, possui extensão, é divisível, enquanto a mente é imaterial, não possui extensão nem pode ser dividida. A dificuldade colocada encontra-se na maneira como substâncias distintas podem interagir. Como o material e o imaterial se relacionam?
O tratamento dado por Merleau-Ponty à questão é totalmente diverso. Ele não considera que somos constituídos de duas substâncias distintas, mas compreende corpo e mente como uma e mesma coisa, mais do que isso, compreende que corpo, mente e mundo formam uma totalidade, e que a soma dessas partes é sempre menor que o todo, ou seja, não é possível separá-los.
Quando Merleau-Ponty afirma "sou meu corpo", isso é muito diferente de afirmar que "tenho um corpo". Quando afirmo tenho um corpo, parece que possuo algo que não sou eu; se o possuo, tenho propriedade sobre ele e poder para fazer muitas coisas com ele. Se sou meu corpo a relação que estabeleço com minha corporeidade é bem diferente. Não tenho posse e o que sou depende de meu ser corpo. Assim, não se trata de relacionar-se com o corpo, mas de vivenciar o que se é enquanto corpo. Também não é o caso de um reducionismo, onde tudo se resume a corpo, mas de um corpo que integra pensamentos, sentimentos, crenças, desejos, sonhos, ilusões… e todo o resto de que somos compostos.
Se este é meu lugar existencial, aquilo que sou, significa também que a maneira como me relaciono com o que envolve esse ser corpo, ou seja, o mundo que o circunda e forma com ele um sistema, é fundamental para determinar como me sinto em diferentes ambientes, situações, relações, estados. Sentir-se bem ou mal é, muitas vezes, uma questão de ouvir o que diz o ser corpo. Você costuma prestar atenção, escutar o que lhe diz seu corpo? Suas ideias? Seus sentimentos? Seus desejos? Suas crenças? Essa totalidade que você é?
Compreender quem somos, enquanto um órgão de um organismo maior (o mundo) supõe compreender o próprio mundo e as constantes interferências deste inseparável e indistinto "dentro e fora de nós". Você já reparou como é difícil, às vezes impossível, distinguir o que é interno e o que é externo? O que é nosso e o que é do ambiente onde estamos inseridos? O que é nosso e o que é dos outros que se relacionam conosco?
Pensando desta maneira, o encontro de seu lugar existencial é um encontro com você mesmo. Não você, um ser abstrato e isolado do mundo, um eu pensante e dissociado de outros eus, mas você, um ser inserido no mundo e em constante movimento, movimentando o mundo e a si mesmo, exercendo a plasticidade que nos faz humanos.
Mas o que fazer quando nos sentimos fora do lugar? Quando nos deparamos com a sensação de não pertencimento ao mundo? Quando, de repente, perdemos nosso lugar? Ou ainda, quando jamais o encontramos?
Talvez um movimento de escuta de si mesmo, talvez uma observação mais atenta àquilo que somos, a como nos constituímos, ao que é significativo a nós, aos modos como nos relacionamos, como existimos, nos dê elementos para a constituição de um modo de ser condizente com nossas necessidades. Ou você acredita que há somente um modo de ser?
Na clínica, a descoberta de diferentes modos de ser permite o encontro de diferentes lugares existenciais. Alguns chegam a casa, sentem-se em casa. Outros constroem novas casas. Há quem decida tornar-se sua própria casa. Há quem escolha não ter uma casa, ser um eterno viajante em casas alheias. Você já encontrou seu lugar no mundo?