por Valéria Meirelles
Recebi vários e-mails de pessoas perguntando sobre o assédio moral no trabalho. E será sobre este assunto que tratarei neste artigo.
Antes de qualquer coisa, é importante compreender o significado do trabalho na sociedade moderna capitalista, onde ele transcendeu o aspecto econômico para se relacionar à identidade do indivíduo, ou seja, ele passa também a se reconhecer (ou se perceber) através daquilo que produz.
Essa mudança na forma de encarar o trabalho favoreceu o desenvolvimento do indivíduo, que pôde pensar em seus projetos pessoais, profissionais, e no tradicional projeto familiar. O novo significado do trabalho tornou-se tal, que Freud, no início do século XX, quando questionado sobre as características de um adulto normal, respondeu ser aquele capaz de amar e trabalhar – enfatizando a importância do trabalho para a realização humana.
Além disso, o trabalho insere o ser humano numa cultura moldada por relações de poder, afetando, de forma mais ampla, seus valores, sua auto-percepção, sua orientação da realidade e o próprio funcionamento intelectual. Inclusive, a Psicologia Social foca grande parte do seu trabalho no estudo das conseqüências psicológicas que o trabalho traz para as pessoas.
Os avanços da tecnologia e as transformações da produção exigem cada vez mais do trabalhador, seja ele técnico, gerente, diretor ou presidente. A competitividade e as incertezas de um mundo globalizado também mudaram a forma como o indivíduo se relaciona com o próprio trabalho, gerando angústias e dificuldades. Ou seja, as empresas fazem exigências cada vez maiores, para produzirem cada vez mais e melhor, em um ritmo acelerado e até desumano. Elas estão criando um clima facilitador para o assédio moral no trabalho.
O que caracteriza o assédio moral?
O assédio moral se caracteriza pelo comportamento abusivo de um chefe ou superior que toma atitudes tendenciosas e discriminatórias contra um funcionário, o qual muitas vezes, por medo de perder o emprego, permanece em silêncio e sofre sozinho.
Segundo estudos da Dra. Margarida Barreto, médica do trabalho e pesquisadora da PUC-SP, "O assédio é caracterizado por atos de intimidação e práticas de humilhar, rebaixar, intimidar o outro, no local de trabalho. São práticas que individualizam o problema em uma só pessoa, tratam aquele homem ou aquela mulher como incapaz, quando é resultante de condições outras de trabalho."
A Dra. Ana Magnólia Mendes, Professora da UnB, afirma que o assédio "envolve atitudes e comportamentos visíveis e invisíveis praticado por gestores, colegas e empresas que levam à 'destruição' do trabalhador ao provocar, gradativamente, intenso sofrimento, adoecimento e perda do emprego".
Atos vexatórios na frente de colegas de trabalho repetidas vezes, exigência de produtividade acima da capacidade do trabalhador, negativa de férias, boicotes à promoção, indiferença, ausência de feedbacks ou feedbacks negativos e transferências desnecessárias, são apenas alguns exemplos de atitudes que culminam na perda da auto-estima do trabalhador. A partir daí, ele passa a duvidar de sua própria competência.
De acordo com a Organização Internacional do Trabalho, a violência moral contra o trabalhador ocorre em diversos países desenvolvidos e pode levar a sérios problemas de saúde mental.
Os efeitos do assédio moral
As conseqüências são semelhantes às do assédio sexual: sofrimento físico e psicológico, como ansiedade, insônia ou sonolência excessiva, crises de choro, insegurança, depressão, sentimento de menos valia, dores generalizadas e freqüentes (de cabeça, no corpo, no peito), problemas respiratórios, distúrbios digestivos, tremores e nos homens, marcadamente, o consumo acentuado de bebidas alcoólicas.
Quais as condutas a serem tomadas?
Costumo dizer que todo sofrimento humano torna-se bem mais fácil de ser superado quando é compartilhado, e o mesmo vale para o assédio moral. Assim como no assédio sexual, é preciso coragem para enfrentar o problema de frente.
Não existem normas específicas suficientes no Direito do Trabalho sobre o assunto, por isso, as ações contra os empregadores costumam pleitear reparação por danos morais. Entretanto, na cidade de São Paulo, no âmbito da Administração Pública Municipal, está em vigor, desde 04 de agosto de 2003, a Lei – de autoria do Vereador Arselino Tatto – que enfrenta e pune os praticantes de assédio moral nas suas dependências. Ou seja, as leis e projetos de lei estão mais localizados e atuantes nos âmbitos municipal, estadual e federal.
Os Sindicatos, os Centros de Referência do Trabalhador e até o Ministério Público também estão atentos ao assédio moral, orientando e apoiando as vítimas.
Respeito é bom e eu gosto
O assédio moral é um problema que vem se agravando ao longo dos tempos. É uma séria violência contra o trabalhador e conseqüentemente à sua família e à sociedade. Ressalto a necessidade do funcionário, a despeito do nível hierárquico ao qual pertence, exigir ser tratado com respeito e dignidade, lutando por aquilo que lhe é importante. Por isso ele tem como obrigação denunciar seu empregador. Afinal, presenciar uma violência em silêncio é igual tê-la cometido, ainda que seja contra si mesmo.