Você põe em dúvida a sua capacidade de julgar?

A grande maioria de nós compreende que ter sua própria opinião é uma coisa boa. Saber avaliar o que se passa ao nosso redor é visto como um componente fundamental de pessoas livres e independentes. Enfim, avaliar por si mesmo é uma virtude valorizada por quase toda a gente. Grande parte dos processos educativos atuais se justificam em função da importância que se reconhece a essa capacidade de julgar por si mesmo.

Mas o que é um julgamento e por que avaliar por si mesmo é algo bom?


Um julgamento exige que utilizemos algum tipo de critério ou valor, a partir do qual avaliamos. Esse critério, para ser uma plataforma para julgamentos, deve ser especial no sentido de se diferenciar de qualquer afirmação gratuita. Caso contrário, nossos julgamentos não realizam nenhum tipo de avaliação especial sobre nós ou sobre o mundo. Por isso, os julgamentos supõem a nossa capacidade de ter certezas. São elas que se diferenciam das demais ideias e sentimentos que possuímos em função de alguma qualidade especial. E é justamente em função dessa qualidade que as certezas podem ser utilizadas como critérios de julgamento.

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Certamente que a maneira como chegamos até as nossas certezas é muito variável. Uns escolhem algumas, outros escolhem outras. E isso complica tudo porque se tivéssemos as mesmas certezas, nossos julgamentos seriam bastante parecidos. Isso resultaria em um mundo mais homogêneo e parecido, sem tantas variações na maneira como avaliamos.

Então, temos aqui uma complicação porque as certezas ou são pessoais ou variam de acordo com parâmetros pessoais – o que torna todo julgamento bom para seu próprio emissor. Mas há ainda outro problema ligado aos julgamentos.

Qual é a posição do julgador e do que é julgado?

Quando avaliamos por nós mesmos, nos colocamos em uma posição especial. Quem julga deve posicionar-se acima do que julga no sentido de supor que possui as qualidades necessárias para isso. De fato, quem julga olha para aquilo que é julgado de uma posição especial que o habilita a julgar. Em geral, o que é julgado não se encontra na mesma posição daquele que julga. Um juiz não é nem deve ter sido um réu. Entre eles deve haver alguma diferença.

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Você põe em dúvida a sua capacidade de julgar?   

A questão que deve nos ocupar e que, me parece, deveria ocupar todos os processos educacionais atuais é justamente a de colocar em dúvida nossa capacidade de julgar. O que nos habilita efetivamente a julgar algo por nós próprios? Por que nos colocamos em uma posição especial que nos torna aptos a dizer o valor das coisas? Quem somos nós para avaliar?

Seja quais forem as respostas que forem dadas a essas perguntas, elas terão que se referir a algum componente específico do ser humano, um que nos coloque em uma situação diferente de todos os demais seres. Afinal, estar plenamente capacitado para avaliar o mundo todo por um condição especial também significa que muitos outros não possuem essa mesma qualidade e não podem, dessa maneira, julgar como eu. Pode ser que eu avalie de uma forma que um ser humano de outra cultura não seja capaz de fazer. Então, as pessoas da minha cultura avaliam melhor? Se sou homem, será que as mulheres avaliam pior? Se sou branco, será que os negros ou vermelhos avaliam pior?

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Podemos ir um pouco mais longe. Se os homens avaliam muito bem, segundo seu ponto de vista especial sobre todas as coisas, então os vegetais avaliam mal – ou simplesmente não avaliam? E os animais, será que avaliam pior do que nós? E como avaliam os minerais?

Por que julgar é natural

O que parece muito óbvio, com esse nosso exercício curto de pensar sobre nossos julgamentos, é que eles não passam de expressões de nossa própria maneira de ser. Eles colocam em ação nossa concepção centrada em nossa própria maneira de ser – o que parece bastante natural. Mas, sendo expressões de nosso modo de ser, eles não podem se passar por algo mais do que isso: eles fazem parte da nossa condição humana. E essa condição é uma entre várias que efetivamente existem. Nela não há nada de especial, senão o fato de ser a nossa, aquela que nos é mais fácil conhecer e experimentar – porque é a nossa. Ao julgarmos apenas fazemos algo muito natural e ligado à nossa constituição, assim como respirar, para quem tem pulmões ou permanecer estático, para quem não se locomove.