por Roberto Goldkorn
Conheci um sujeito que só andava de sapato branco. Ele dizia que aquela era a sua marca pessoal.
Apesar de trabalhar com moda, tal qual a um relógio parado, costumava acertar no estilo apenas duas ou três vezes quando a ocasião era convergente com o uso do sapato branco, nas outras errava feio.
Às vezes vejo na rua indivíduos que se tatuam todos e, para exibir seus “troféus”, precisam andar de camiseta regatas, mesmo num frio de 12 graus!
Eu gosto de usar chapéus, mas tiro assim que entro em lugar fechado como manda a etiqueta e a lógica, afinal o chapéu deveria servir para “atrapalhar o sol”.
Mas também uso boné, e muitas vezes não uso nada para cobrir a cabeça (principalmente em dias nublados e à noite). Não quero ter uma marca pessoal. Não me agrada ser conhecido como “aquele cara do chapéu”.
Criar uma marca pessoal, usar algum adereço que o ajude a distingui-lo na multidão é parte do desejo infantil de ser alguém. Fugir da vala comum, não ser apenas um rosto na multidão é o projeto de vida de milhares de pessoas.
Mas tentar fazer isso pelo atalho de um item em geral postiço, que teria a missão impossível de nos tornar visível, é bem a cara do nosso tempo.
A capixaba Sheyla Almeida ganhou notoriedade nos últimos anos por tentar obter o título de mulher com as maiores próteses de silicone no mundo. Ela chegou a correr risco de morte em razão de uma infecção bacteriana em seus seios. Mas ela com aquele peitão desproporcional estava colhendo retorno positivo da sociedade e ficando famosa, isso era a suprema recompensa para alguém que sem peito seria apenas uma pessoa comum.
Por que é tão difícil para algumas pessoas estarem na categoria dos “comuns”?
Por que tem gente que estaria disposta a se mutilar, a se prejudicar, a entrar na categoria das esquisitas ou sem-noção, apenas para ser “olhada”?
A resposta é complexa, mas o resultado é quase sempre frustrante. Agregar de forma permanente uma marca pessoal é simplesmente ser escravo dela, é perder o que de mais preciosa a humanidade luta para conquistar: a liberdade pessoal.
Uma marca pessoal seja ela uma argola no nariz, ou vestir-se sempre de preto, aprisiona, reduz a mobilidade do indivíduo, o torna mais enrijecido diante das mudanças do meio e do tempo, congela!
Assim a grande ironia/armadilha dessa atitude é: ao buscar a liberdade de ser diferente, acaba sendo aprisionado por essa marca.
Metamorfose ambulante
O tatuado é escravo de sua tatoo, o esquisito é escravo de suas esquisitices, chapéu é o dono de sua cabeça. A liberdade de se adaptar a cada curva do rio se perde. Ao invés de sermos uma metamorfose ambulante como cantava o Raul, somos retratos imóveis de nossas marcas pessoais.
Mas, há mais. Ao tentar colocar a cabeça acima da multidão, pela via rápida do adereço, assinamos a nossa incompetência de SER.
Conheci um sujeito que era um oco existencial, vazio, fútil, inexpressivo, mas tinha um talento para fazer “rolos” comerciais. Num desses rolos ele conseguiu comprar um Maverick turbinado (um supercarrão na época). Então seu status mudou. De simplesmente Zé passou a ser o Zé do Maverick! Um dia seus rolos deram errado e ele “ficou pobre”, perdeu tudo. Sua única alternativa era vender o Maverick.
Mas como o Zé do Maverick iria vender seu “sobrenome-epíteto?”
Ele se debateu, cogitou cometer um estelionato, assaltar um banco, dar um golpe na própria família, mas vender o Maverick NUNCA! Ele não suportaria voltar a ser simplesmente o Zé.
Sempre que pegamos atalhos que nos prometam encurtar e facilitar o longo caminho da construção do Eu, estamos sujeitos a cair dos andaimes frágeis criados para nos elevar.
Sei que é meio chavão, mas não dá para substituir o Ser pelo Ter impunemente, o resultado é quase sempre frustração. Qualquer artista ou pessoa pública que se tenha alçado à fama por meio de adereços, vai ter vida efêmera e depois vai amargar o negrume do ostracismo.
Ninguém se sustenta sendo o que não é, mas podemos ser o que construímos internamente. A ilusão de se destacar na multidão dessa forma, em geral, é uma resposta a frustração de estarmos sem identidade. Algumas pessoas caem na depressão, outras abaixam a cabeça e aceitam sua indigência, mas sempre há aqueles que se rebelam e descobrem a via da marca pessoal.
A sabedoria que nos permite viver bem é: reconhecer e elencar por ordem de importância os valores que devem nortear nossa vida . Da minha parte é a liberdade, o valor maior, entender que a única coisa que não muda é a mudança e que qualquer rigidez é inimiga da vida.