por Nicole Witek
Foi uma semana “hospital”. Passei esta última semana na França acompanhando pessoas amadas durante suas estadas nos hospitais parisienses. Não é sobre hospitais que eu quero refletir com você, mas antes de mais nada, devo constatar que a qualidade do serviço no Brasil, a gentileza das enfermeiras, dos funcionários dos hospitais, a dedicação das pessoas ao redor das pessoas internadas, ultrapassam, de longe, a qualidade do serviço de um país dito “primeiro mundo”.
Acredito que essa qualidade de relacionamento faz toda a diferença entre o Brasil e qualquer outro país do mundo. Esta é a minha experiência internacional.
Quero refletir a respeito da banalização da cirurgia. Estou falando dessas cirurgias que sancionam hábitos errados de vida.
Visitei uma amiga que estava internada para fazer uma curetagem de artrose na região lombar. Durante as minhas visitas a esta amiga, pude ver passar pelo mesmo quarto, duas pessoas que foram internadas por problemas semelhantes ao dela.
Por que a crença de que pessoas em boa saúde são excepcionais? Ou a crença de que é normal envelhecer com dores, com dificuldades? Por que achar que a boa saúde é uma loteria genética? Por que achar que condições de vida excepcionalmente boas, são pré-requisitos para uma saúde excepcional?
Eu gostaria que nós nos perguntassemos: o que faz com que essa pessoa esteja tão bem? O que tem na vida dessa pessoa que favorece tanto equilíbrio?
Existem pessoas com diabete, que levam a vida sem complicação, pessoas que eram cardíacas e agora não têm mais nada, pessoas com câncer, cujo tumor desapareceu sem nunca voltar, existem pessoas ex-portadoras de hérnia de disco, que vivem muito bem e existem pessoas que eram portadoras de alguma doença autoimune e essa desapareceu sem deixar vestígios.
Fico triste ao ver a ignorância da maioria das pessoas em relação ao funcionamento de seu corpo, nem que seja o básico. Existe falta de curiosidade para os processos fisiológicos. Ninguém compraria uma casa sem visitá-la – e várias vezes. Ninguém compraria um carro sem fazer um test-drive. Como imaginar que as pessoas convivem com um corpo durante 60, 70, 80 ou mais anos, sem conhecer o seu funcionamento, sem se questionar e se perguntar: o que levou meu corpo às dificuldades? Da mesma forma como você se perguntaria: “De onde vem a pane do motor do meu carro?”
Quem sou eu e como é o meu corpo?
Um dos itens da lista dos ingredientes para a prática do yoga é o estudo de si: svadhyaya. Não precisa ser uma terapia, nem uma análise, mas podemos começar pelas interrogações básicas: quem sou eu e como é o meu corpo?
A partir dessa pergunta essencial, escutar o diagnóstico de um médico, ouvir uma segunda opinião sobre o problema, ouvir as pessoas que sofreram das mesmas dificuldades e que saíram bem de um período negro, explorar todas as pistas, todos os caminhos. A partir daí, refletir sobre as possibilidades, considerar mudanças nos hábitos, na alimentação, no comportamento, procurar ajuda de todos os tipos, manter certo distanciamento e considerar a situação com um olhar novo: esses são alguns requisitos para se ver livre de alguma doença.
O que eu presenciei nesta semana foi totalmente o contrário. Vi o medo das pessoas em se questionar e de ter que mudar algo na péssima qualidade de vida. O novo apavora. Vi a conversa se desviar, para que não fosse preciso mexer no assunto a ser “mexido”. Vi a falta de interesse em trilhar vias alternativas, vias inovadoras ou criativas. Vi pacientes se agarrando a uma só opinião, a um só guru: o cirurgião, que será o salvador, o último recurso.
O cirurgião faz um lindo trabalho, conserta o melhor que ele pode, com toda dedicação, com um profissionalismo fora de série. Mas se o paciente não se responsabilizar pela manutenção dos resultados, seu trabalho será desperdiçado.
Citando a minha amiga: ela fez a mesma cirurgia há dez anos atrás, só que na altura da quinta vértebra lombar com o sacro. Na semana passada, foi a vez da 4ª vértebra lombar com a quinta.
O cirurgião falou na minha frente: “Daqui a dez anos, vamos nos rever, para eu recomeçar o mesmo processo… se eu ainda estiver vivo”. Ele já sabe que nada mudará. Ocorreram modificações na vida dela durante esses dez anos passados? Nenhuma! As únicas mudanças que foram feitas foram para adaptar a casa dela às suas limitações. A cada ano o seu perímetro de atuação ficava mais limitado, até não sair mais da poltrona, na qual ela sequer ficava confortável, de tanta dor.
Eu também sofro… Principalmente quando minha amiga falou para mim: “Estou preocupada, minha perna esquerda está meio paralisada”. Insisti mais uma vez, falei da plasticidade dos neurônios, da possibilidade de ativar novos caminhos nervosos para animar a perna. Expliquei que mesmo que a perna não pudesse se movimentar, ela poderia imaginar e ter a intenção de movimentar a perna e isso daria um incentivo para a perna se movimentar. Tentei animá-la falando do baile da São Silvestre, no dia 31 de dezembro e do quanto que ela gostava de dançar tango, falei de se imaginar movimentando graciosamente a perna numa dança bela e ritmada, falei do poder da mente para ativar a rede nervosa.
Eu sofro quando vejo o olhar cético e o sorrisinho irônico da minha amiga. Seria tão bom se todos nós tivéssemos a capacidade de realmente ouvir e aprender com as experiências e histórias dos outros.
“The power of positive deviance” de J. Sternin e B. Choo – Harvard Business Review: www.positivedeviance.org