por Jocelem Salgado e Juan Verdesio
Meus caros amigos e leitores, tenho recebido muitos e-mails de leitores do Vya Estelar.
Também tenho recebido comentários de pessoas que estiveram em minhas conferências ou ouviram falar do meu trabalho. Na maioria desses e-mails e observações, há sempre um ensinamento que acaba sendo útil a todos nós.
Achei, por isso, que seria interessante e enriquecedor dividir alguns desses comentários e opiniões com vocês, meus leitores.
Começo com um e-mail do professor Juan José Verdesio, que se apresenta como um gourmet amador, mas que é diretor da Associação Brasileira de Sommeliers. Como especialista na arte de apreciar e classificar vinhos, o professor Verdesio mantém um contato estreito com os melhores restaurantes e chefes de cozinha de Brasília, onde mora.
Mais que isso, Juan Verdesio teve o privilégio de conhecer pratos e cozinhas de quase todo o mundo ocidental. Nascido no Uruguai, casado com uma cearense, ele fez doutorado na França e “viajou” por todas as cozinhas da Europa, com a vantagem de ser um apreciador e um crítico dos muitos regimes alimentares vendidos pela indústria ou criados por marketeiros das dietas.
O e-mail do professor se referia especificamente a um dos meus artigos que tratava dos “desafios da alimentação dos adolescentes”(coloco-o mais abaixo). Depois de uma viagem pelos pratos e cozinhas dos países onde viveu ou percorreu, e de muitas observações sobre os riscos e benefícios da alimentação – que falaremos em seguida-, o professor Juan faz um desabafo: por mais que tenha se empenhado em conhecer e defender a importância de uma alimentação sadia, seus filhos acabaram adotando os pratos menos saudáveis pregados pela cultura norte-americana.
A publicidade dos “junk foods”, da comida que não presta como comida, dos X-tudos e máquinas de salgadinhos, foi mais forte que seus conhecimentos e ensinamentos como pai. Hoje, um filho está muito acima do peso e a filha foge das frutas e verduras e come maionese com pão no café da manhã.
O professor Juan não está sozinho nesse sentimento de impotência. Vale lembrar que muitos pais nem chegam a se preocupar com a alimentação dos filhos, até que os maus hábitos se manifestem em doenças.
Na verdade, a sensação de que a alimentação saudável parece tão natural, mas tão difícil de ser vista por muitos jovens – e mesmo adultos – chega a frustrar muitos pais e educadores.
A frustração do professor Juan é uma lição para todos nós. Mas suas observações sobre a cozinha dos países que conheceu, e sobre as diferenças das práticas alimentares, são outro ensinamento que gostaria de relatar nesse artigo. Em vários trechos, tomarei a liberdade de citar exatamente as palavras do professor, tão rico é o seu relato.
“Acho pertinente a divulgação de assuntos sobre a alimentação e suas consequências para a saúde das pessoas, pois o desastre que estamos vivendo hoje já está sendo pago com o agravamento de problemas de saúde, como o diabetes e enfermidades cardíacas”, diz.
“Acho que isso não é um problema apenas dos adolescentes. Eu já morei em muitas cidades do Brasil e do exterior, muitas com ritmo de vida estressantes, e conheço bem os hábitos alimentares de diferentes regiões.”
A convivência com costumes e cozinhas, levou o professor a uma conclusão com a qual concordo:
“Acho que – diz ele-, por melhores intenções que tenhamos a respeito de tentar mudar hábitos, a solução definitiva passa por uma mudança de postura e de formas de vida de toda uma população que está sendo submetida e bombardeada literalmente pela alienação cultural.”
Uma prova disso, segundo ele, são as dificuldades que os fast-foods tiveram para entrar nos países latinos da Europa, onde as práticas alimentares persistem por séculos. “Para que o fast-food entre numa cultura dessas, é preciso mudar corações e mentes”, ele diz. Embora lentamente, é isso que vem acontecendo.
O professor, no entanto, lembra que estudos médicos mostraram a existência de duas Europas. Uma do Norte, onde se consome mais alimentos com gorduras animais e proteínas de animais terrestres, toma-se mais bebidas destiladas, se fuma mais, há menos sol e mais incidência de depressão.
Nos países do sul, próximos ao Mediterrâneo, come-se mais peixes, mais saladas, usa-se mais óleo de oliva e toma-se mais sol. O resultado, segundo o professor, é que os europeus do Norte têm maior número de doenças crônicas e degenerativas e pior qualidade de vida.
Há outro fator importante lembrado pelo nosso leitor: as práticas e o ritmo de vida quanto à alimentação. Nos países do Mediterrâneo, as pessoas têm o hábito de parar para comer, interrompem suas atividades e se dedicam ao almoço, com entrada de salada, legumes, uma proteína de carne e um queijo antes da sobremesa. Além, é claro, de uma taça de vinho tinto. “Há um prazer intenso na degustação das comidas”, diz o professor.
As diferenças são imensas quanto ao estilo das grandes cidades norte-americanas e que nós tendemos a copiar. Para muitos dos seus habitantes, a refeição é apenas uma forma de “matar a fome”, em pé em alguma lanchonete, ou às pressas em algum restaurante por quilo. Ou, para os executivos, os almoços de negócio onde as pessoas não sabem se comem, se falam ou se escutam. Não há organismo que não sofra com esse ritmo.
O professor Juan lembra que conheceu famílias na Itália onde o casal vinha almoçar todos os dias em casa, dividindo o preparo dos pratos e a limpeza da cozinha. É claro que não havia tempo para preparar pratos mais demorados como carnes, mas estes já eram feitos no final de semana e congelados. Uma ou duas vezes por semana o casal jantava fora. E, aos domingos, a macarronada da “mama” era insubstituível.
O professor se recorda, com certa frustração, que mesmo em Veneza seus filhos saíram em busca de um MacDonalds.
Com o olhar de quem vê a cozinha como cultura e como prática de saúde, Juan observa que no Brasil, especialmente no Nordeste, as pessoas cultivam o hábito de apreciar e saborear a comida com mais tempo e prazer. “Comer devagar, pouco e bem. Sentir prazer em programar, escolher e preparar a comida. Isso é fundamental.”
De outro lado, ele adverte para a cultura que se iniciou no Sul e Sudeste e que tende a se espalhar por todo o país: grandes churrascarias, tipo rodízio, onde o cliente ingere uma quantidade de proteína animal que não seria imaginável em qualquer outro país. “É o caminho da doença”, ele diz.
O professor ressalva que não é contrário aos hábitos culinários do país, até pelo contrário. “Temos que valorizar o que é nosso, não adotar modelos externos. Resgatar pratos esquecidos, inventar outros, e não achar que correr atrás do dinheiro é o mais importante na vida.”
Como especialista em nutrição, posso dizer que o Brasil vive várias realidades. A do excesso de comida, sem critérios nem medidas, que podem provocar e acelerar doenças. A dos nossos pratos do cotidiano, como o arroz e feijão, um bife e uma salada, considerados saudáveis e benéficos. Além, é claro, dos que nada ou pouco têm a comer, onde a escolha não existe.
No final do seus comentários, o professor Juan faz observações que têm pouco a ver com as propriedades do alimento, mas com o ritual do comer, do se alimentar. Ele lembra um artigo onde um norte-americano envia seus filhos para a França para que eles aprendam a valorizar mais as relações e os prazeres do que o dinheiro. Observa que conheceu jovens franceses que percorriam 30 quilômetros na hora do almoço, só para saborear o almoço em família, ou tomar o gole de vinho cujo cheiro lembrava a infância.
Certamente há algumas raras pessoas que fazem o mesmo aqui no Brasil, quem sabe para saborear uma carne de sol ou um peixe que só a mãe sabe fazer. As pesquisas e a ciência vêm demonstrando cada vez mais que os alimentos têm uma função no nosso organismo e que muitas doenças podem ser evitadas ou controladas com uma dieta adequada. O que o professor Juan nos acrescenta é que comer com prazer também pode fazer muito bem.