por Monica Aiub
No último texto (veja aqui), abordei a questão do cansaço, tão comum em nossa época, tão derivado de nossos modos de viver. Qualidade de vida tem sido uma questão recorrente nos consultórios, geralmente derivada das constatações de um modo de viver que, praticamente, nos é imposto. Acreditamos ter opções, mas até que ponto elas são reais?
Posso escolher o que consumir, mas posso escolher não consumir? Posso escolher em que trabalhar, mas posso escolher não trabalhar? Posso escolher com quem e como me relacionar, mas posso escolher não me relacionar em certos contextos? E assim sucessivamente…
Mas a questão ainda é mais complexa: posso mesmo escolher o que consumir ou sou constituída a partir de padrões de consumo? Posso mesmo escolher em que trabalhar ou sou levada a tais escolhas por condições e padrões que me são impostos? Posso escolher com quem e como me relacionar ou os preconceitos de minha formação e as cobranças sociais já delimitam previamente o espectro de minhas escolhas?
São, de fato, escolhas ou são padrões estabelecidos por um mercado que dita modos de vida em função de suas margens de lucro? O que acontece quando optamos por um desvio no padrão? Você já viveu situações “desviantes”?
No livro Minorias: Da sociedade de consumo à sociedade do convívio, eu e César Mendes da Costa pontuamos a necessidade de sairmos da sociedade de consumo e estabelecermos modos de vida que possibilitem o convívio. Mas o que compreendemos como sociedade de consumo?
Para além dos conceitos tradicionais, se acompanharmos o histórico de nossas construções sociais e políticas, veremos que, cada vez mais, para a manutenção do sistema vigente que pretende elevar a margem de lucros ao infinito, há uma intensa, frequente e crescente necessidade de consumo. Sendo os recursos naturais escassos, todos os elementos que puderem ser capitalizados e transformados em produtos, o são.
Ideias, sentimentos, sonhos, desejos, afetos, pessoas, atividades, relações, saúde, cultura, espiritualidade etc tornam-se produtos comercializáveis. O resultado desse processo transcende o consumo exacerbado e o consumo da “força de trabalho”, atingindo o consumo de nossa força vital, de nós mesmos. Consumimos o planeta, consumimos uns aos outros, consumimos a nós mesmos…
Se algo nos define nos tempos atuais, é nossa capacidade de consumo. Por ela somos avaliados, mensurados e, consequentemente, valorizados ou não, legitimados ou não. Se há algo partilhado, que nos aproxima ou afasta de alguma maneira, este algo diz respeito a algum tipo de consumo.
Ao nos olharmos como este ser caracterizado pelo consumo, ao nos consumirmos e sermos consumidos em nossas esferas mais íntimas, ficamos exauridos, cansados, sempre esperando o porvir que poderá ser diferente: o final de semana, as férias, a aposentadoria, o dia em que poderemos descansar… mas será que nestes supostos e curtos momentos de descanso, descansamos de fato? Repomos as energias vitais consumidas cotidianamente? Ou nos envolvemos em outras e diferentes atividades que consomem tanto ou mais a nós mesmos?
Novamente perguntas: Como queremos viver? Como conviver? Como coabitar o planeta sem consumi-lo de modo que a vida fique impedida? Como coabitar as cidades de modo que os espaços públicos sejam espaços de encontro? Como viver os encontros com o outro sem transformá-lo ou sermos transformados em um produto que será consumido e descartado? O que resta em nós se nos for retirada nossa capacidade de consumo?
Estas perguntas parecem levar a uma perspectiva muito pessimista, mas não. A ausência da percepção do modo de vida que temos, nos leva ao extremo cansaço, sem que saibamos o que se passa conosco. Acreditamos que o consumo de determinados produtos restabelecerá nossas forças e nos colocamos numa armadilha, num círculo vicioso: nos consumimos para aumentar nosso poder de consumo e encontrar o restabelecimento de nossas forças, mas ao invés disso, ficamos esgotados.
Contudo, quando percebemos nossos padrões, o que nos fortifica e o que nos consome, o que nos impede ou liberta, ganhamos graus de liberdade, que nos permitem construir novas formas de viver e, principalmente, de conviver, uma vez que não vivemos sozinhos, que não somos o centro do universo. Para que o conviver não vire novas armadilhas, é preciso saber quando dizer sim e quando dizer não. É preciso pensar e avaliar junto com o outro. É preciso ter consciência que o dizer não, que o ser diferente dos padrões, não nos tornará melhores ou piores, mas nos aproximará de novas formas possíveis de viver.
Aprender a dizer não, viver de outra maneira, conhecer suas necessidades e potencialidades são algumas das questões recorrentemente trabalhadas no consultório de filosofia. Não há receitas, há apenas o apropriar-se do que se passa consigo e no mundo, e o construir formas para viver. Formas únicas para cada ser, em cada contexto.
Referências:
AIUB, Monica; COSTA, César Mendes da. Minorias: Da sociedade de consumo à sociedade do convívio. São Paulo: FiloCzar, 2016.