por Patricia Gebrim
Todos temos, dentro de nós, uma criança, a criança que fomos um dia, esse serzinho feito de luz e fragilidades, de amor e excesso de vontades. Alguns são tímidos demais, outros ousados e sem limites. Alguns carentes, outros exigentes. Não importa. O que de verdade importa é que cabe a cada um de nós efetuar a cura de nossa relação com essa criança. Cabe a nós, adultos, sermos os protetores dessa criança interna e nutri-la, dando a ela nosso amor e orientação.
Um exercício muito lindo que todos podemos fazer seria o de escrevermos uma carta de amor a essa criança. Não é difícil, basta fechar os olhos e deixar o coração falar.
Para incentivar a todos, compartilho minha carta. Sei que, de certa forma, todos vivemos questões coletivas, assim sendo escrevo não só à minha criança, mas a todas as crianças que passam seus dias à espera de serem vistas, à espera de receberem o tão merecido carinho e amor.
Carta de amor à criança
Você era tão pequenina… E ainda assim, me dou conta de que as coisas mais importantes que hoje sei sobre a vida, foi você quem me ensinou. De alguma forma, que não sei explicar, você nasceu sabendo tanta coisa. Sabia desde sempre que a coisa mais importante que um ser humano tem a fazer é olhar para o céu, para todas aquelas estrelas. E que quando a gente faz isso por um bom tempo, uma espécie de magia acontece e as estrelas passam a brilhar dentro de nós.
Você sempre soube que os soldados não deviam obedecer aos comandantes, e que quando fazemos algo de bom para alguém, ficamos mais saudáveis e felizes. Você sempre soube que dividir coisas faz a gente se sentir melhor, e que a gente só vai ser feliz de verdade quando aprendermos a cuidar uns dos outros. Você nasceu sabendo o riso, a leveza, a dança, o amor. Você sempre soube amar as plantas e os animais, até mesmo as formiguinhas. Você nasceu com esse coração grande e lindo que todas as crianças têm, e que é a coisa mais preciosa que um adulto pode possuir. Se os adultos soubessem… O nosso coração é mil vezes mais precioso do que ouro e até do que os diamantes.
Linda criança, chegue mais perto um pouco, eu quero te pedir perdão. Perdão por todas as vezes em que eu não te protegi, quando deveria ter cuidado melhor de você. Perdão por ter deixado as pessoas te ferirem, te enganarem, por ter acreditado no que elas diziam e não em você. Perdão pelas vezes em que te achei feia, incapaz, tive raiva ou vergonha de você. Sinto muito, mesmo.
Me perdoe, querida criança, pelas vezes em que duvidei de você dentro de mim, em que não lutei o suficiente por aquilo que você sabia com tanta força no seu peito, pela minha fraqueza, pelo meu medo, pela minha covardia. Perdão, minha criança, por eu ter me tornado tantas vezes séria, e chata, e cheia de obrigações, sem tempo para te ouvir ou brincar com você. Me perdoe por ter me transformado nessa pessoa exigente demais, que esqueceu aquilo que você sempre soube, que tudo é perfeito, inclusive as imperfeições. Me perdoe pelas vezes em que deixei a tristeza tomar conta de mim, pelas vezes em que me esqueci do quanto a vida é rara e preciosa. Pelo tempo que perdi mergulhada em minhas ilusões e sombras, enquanto a vida me esperava, linda e de braços abertos, lá do lado de fora.
Me dê a mão, linda criança estrela. Venha para o meu colo que está quente e macio de tanto carinho. Quero segurar seus dedinhos, trazer você para perto de mim e te abraçar bem apertado, tão apertado a ponto de podermos sentir nossos corações batendo juntos. Está ouvindo? Vem comigo, criança, eu preciso muito de você. Quando você está longe a vida fica cinza e triste e eu me perco das estrelas. Preciso muito das estrelas. Preciso de você. Fica comigo. Eu te amo muito. Eu te amo para sempre.