por Regina Wielenska
Serenata, chorinho, samba-canção.
Macramé, frivolité, ponto crivo.
Ovos nevados, manjar de coco com calda de ameixa preta ao vinho tinto, sagu, aletria e bolinhos de chuva.
Games online, RPG, Cosplay.
Manga e anime.
Programação de jogos, edição de videos, nanotecnologia. Fast-food, fusion cuisine, fritadeira a ar quente.
Fiz uma seleção meio sem jeito de itens que supus representarem universos divididos pela passagem do tempo. Minha impressão é de que as pessoas mais interessantes tendem a transitar entre o antigo e o moderno com conforto e gosto por aprender com ambas experiências, sem preconceitos. Por exemplo, no restaurante Andrade, em São Paulo, pai e filho produzem uma gastronomia com suas peculiaridades temporais preservadas. Da velha buchada de bode a pratos modernos, sejam na aparência, forma de preparo, no conceito que embasa a criação deles. Um estilo não é melhor do que o outro, o bacana é a soma, além da humildade de aprender com quem veio antes e a alegria de fazer descobertas, de reinventar a saborosa cozinha nordestina.
Peguei um exemplo gastronômico. Mas a lista é infinda. Vamos pensar nas famílias. Avós podem ensinar netos a brincarem de pião, a confeccionarem papagaio com cola feita de farinha, umas poucas varetas, linha mercerizada e papel fino. Netos podem ensinar aos avós como é divertido navegar nos oceanos digitais. Tango e rap para todos. Ou, um bauru do jeitinho de antigamente seguido por picolé mexicano de tequila para netos acima dos 18 anos e avós liberados para excessos.
Papai, mamãe e filhos, a família mais convencional nas antigas propagandas de margarina, hoje pode continuar existindo e ganha a companhia de outros muitos formatos de família, e nelas todas pode imperar o amor e a responsabilidade pela formação de filhos que se tornem criativos, abertos e desprovidos de julgamentos preconceituosos.
Crianças que curtem Beatles podem ter pais que adoram música eletrônica. E um ensinar ao outro sobre as respectivas curtições. Um professor de Português pode discutir Camões na quarta-feira e Rowling na sala de aula dois dias após, com igual abertura. Toda minha fala tem a ver com a proposição de um jeito aberto e flexível de levar a vida, sempre no aqui e agora, e resgatando as riquezas do passado, adubando assim nosso futuro.
Como você, leitor, transita entre os tempos e o quanto de permeabilidade há em sua vida? Pense a respeito.