por Paulo A. Lopes
– (Cliente A) E então eu mandei a mensagem. A mensagem entrou, ele visualizou, mas não me respondeu!
– (Cliente B) Eu vi que ela estava online às 3 da manhã! O que ela estava fazendo acordada a essa hora?
Estes são apenas dois exemplos de relatos comuns hoje em dia, não só nas conversas entre amigos como também nos consultórios de psicoterapia.
A frequência dos relatos que envolvem conversas por áudio ou texto no aplicativo se explica em números: no dia 01/02/2016, o WhatsApp afirmou ter atingido um bilhão de usuários. Isso significa que aproximadamente um em cada sete habitantes do planeta utilizam esse único aplicativo. Se considerarmos que dos aproximadamente 7,2 bilhões de habitantes do planeta (número apresentado, em 2013, pelo Fundo de População das Nacões Unidas – FNUAP), há uma porcentagem de crianças que não tem idade e/ou condições para manusear um smartphone; se considerarmos que parte da população do planeta carece de coisas muito mais básicas, não tendo acesso nem a água potável ou trabalho remunerado digno, podemos dizer que, daqueles que têm idade e condições para utilizar um smartphone, a maioria deve estar usando o WhatsApp.
Segundo notícia publicada no portal da revista Exame, uma pesquisa recente aponta que 76% dos assinantes de telefonia móvel no Brasil fazem uso regular desse aplicativo.
Os relatos de meus clientes, assim como minhas próprias experiências cotidianas, me trazem questões como: será que teremos que reinventar o telefone, ou ainda, fazer propaganda dele, para que as pessoas se lembrem que o WhatsApp é um aplicativo contido num telefone celular, cuja principal função é (ou melhor, foi) a de facilitar a comunicação instantânea via voz? Por que meu melhor amigo, que me conhece há vinte anos, ao invés de me telefonar como fazia antes, agora manda uma mensagem no WhatsApp dizendo “posso te ligar?” Estaremos nós agora vivendo um novo código de etiqueta, onde telefonar para outrem é uma invasão ou um passo rápido demais que fere o espaço íntimo do outro?
Por vezes perguntei aos meus clientes: “Mas, por que você simplesmente não telefonou?” Naqueles que, como eu, não cresceram com a internet (tenho 39 anos de idade e a internet no Brasil, aproximadamente 21), notei uma expressão de dúvida. Não sabiam o que me dizer. Daqueles que cresceram já na era das tecnologias da informação, recebi uma resposta rápida do tipo: “Ué, eu não ia ligar assim, direto”.
Teria o telefonema, dantes corriqueiro, se tornado um comportamento inadequado nos dias de hoje?
Nas vinhetas que apresentei na abertura deste texto, outro aspecto da nossa relação com o WhatsApp se evidencia: algumas informações que o aplicativo fornece, como o recebimento e a visualização de mensagens e também o status – on ou offline – de nosso interlocutor em dado momento, provocam-nos. Sim, somos provocados, tocados. Sentimo-nos ansiosos por uma resposta. Fantasiamos sobre o que o outro fez ou está fazendo. Não que a ansiedade e a fantasia sejam novidade para a psique (mente) humana, mas o modo como nos relacionamos com as informações que o WhatsApp fornece parece afetar o modo como nos sentimos. Novamente – qual é a novidade então?
Afinal, tudo o que nos acontece, nos afeta. Realmente não estou falando de grandiosa novidade, estou apenas sublinhando que certo aplicativo, disseminado, traz consequências emocionais específicas, que estão ligadas ao funcionamento intrínseco ao próprio aplicativo (eu reparo se aparece um ou dois traços ao lado da mensagem, também reparo se, ou quando, eles ficam azuis… E você?)
Parece-me que o WhatsApp é, pelo menos em centros urbanos como São Paulo, onde vivo, um fator importante na definição dos costumes sociais. Essa ideia é ainda reforçada pela questão da acessibilidade do aplicativo assim como por aquilo ao qual ele dá acesso: o WhatsApp é gratuito (não há custo para fazer o download) e ele permite a troca de mensagens de texto, de voz e até telefonemas por seu intermédio, a um custo que é acessível para muitos (considero aqui o custo de um plano de dados de telefonia móvel, mesmo nos planos pré-pagos). Sendo assim, este aplicativo penetra a maioria do tecido social.
O WhatsApp também traz para um novo nível a reconfiguração dos espaços de vida. Há certo tempo, um cliente me relatou:
– Estava no trabalho e minha filha começou a me mandar mensagens no Whats dizendo que estava angustiada com um trabalho da escola. Fiquei preocupado e tentei acalmá-la com as respostas que enviei, mas a cada mensagem, ela mandava outra pior. Minha concentração no trabalho acabou, fiquei nervoso porque, você sabe né, ela não está indo bem na escola este ano.
Não é novidade que com o advento da telefonia celular nós podemos, em teoria, colocarmo-nos acessíveis a qualquer momento do dia ou da noite. Neste sentido, basta deixar o celular ligado para que qualquer pessoa que tenha o nosso número de telefone nos ligue, independentemente de onde estivermos, desde que haja uma antena de celular próxima o suficiente. Meus amigos, meus familiares, os operadores de telemarketing, as instituições de caridade, todos podem ter acesso a mim sem que eu precise estar próximo a um telefone fixo.
Estou no trabalho, minha irmã me liga para falar de assuntos pessoais. Ligo para meu sobrinho e ele atende o celular enquanto está na aula de guitarra. Estou em aula e minha secretária me liga para falar de trabalho. Enfim, as possibilidades são muitas, os espaços ficam porosos, penetráveis, menos delimitados. As fronteiras se esgarçam e, às vezes, parecem desaparecer. Os espaços se entrelaçam.
Com o WhatsApp a situação fica ainda mais complexa. Explico: atender o telefone em alto e bom som pode ser difícil, ou uma tremenda falta de decoro em certas situações. Contudo, tirar o celular do bolso e, discretamente, dar uma conferidinha no WhatsApp, ou mesmo ler e responder uma mensagem pode não somente passar despercebido pelas pessoas em volta, como também não mais ser considerado uma falta de educação, principalmente quando estão todos fazendo a mesma coisa, cada um a seu tempo.
A partir das considerações que acima fiz, pergunto aos leitores: como vocês se relacionam com o WhatsApp? O uso desse aplicativo trouxe mudanças na forma como vocês se relacionam com seus pares? O que mudou?
Mais e mais perguntas podem ser formuladas, não só a vocês, leitores, mas a mim, simultaneamente: como delimitamos os nossos espaços? Há a necessidade de fronteiras, ou a vida na sociedade das tecnologias digitais pede a flexibilixação destas (ou até sua derrubada)?
Aos psicoterapeutas, como eu, resta um desafio: o de aprender a estabelecer o limite, na relação com nossos clientes, entre o espaço profissional e o pessoal. Isso fica evidente quando recebemos mensagens em momentos de lazer, por exemplo, num domingo de manhã.
E você? Já recebeu um WhatsApp de um cliente, de seu patrão ou de seu funcionário, num momento em que estava num momento e/ou num lugar – físico e mental – totalmente destoante?