Obrigação de estar ‘OK’ pode ser desastroso

por Luís César Ebraico

PEDRO (em um supermercado, visivelmente irritado, reclamando de uma falha na entrega de mercadorias): – Blá, blá, blá! Blá, blá, blá! Blá, blá, blá! …

Continua após publicidade

FUNCIONÁRIO DO SUPERMERCADO:

– Mas doutor, o senhor NÃO PRECISA ficar chateado assim!

PEDRO: – Mas, SE EU QUISER, eu posso?

FUNCIONÁRIO DO SUPERMERCADO: – Claro! Claro!

Continua após publicidade

PEDRO: – Então, EU QUERO! Blá, blá, blá! Blá, blá, blá! Blá, blá, blá! …

É fundamental que defendamos o DIREITO INCONDICIONAL de nos aborrecermos. Um dos maiores cânceres culturais da atualidade é o tipo de literatura de auto-ajuda – aliás, o mais difundido dentre eles – que manda você estar sempre OK! Um conhecimento mínimo das descobertas da Psicanálise é capaz de nos fazer entender como a obrigação de estar sempre OK é a origem de um sem-número de sintomas, entre os quais se alinham – ao lado de úlceras, infartos, insônia, depressão, impotência sexual, distúrbios da aprendizagem etc. – os assassinatos em massa do tipo abordado em "Tiros em Columbine", típicos dos EUA, país do OK!

Assassinatos em massa são um fenômeno que, de fato, merece análise. O perfil desse tipo de crime é absolutamente singular. A maior parte dos crimes é cometida à noite, os assassinatos em massa são cometidos de dia; a maior parte dos crimes são vendetas pessoais ou tem por objetivo o lucro material, os assassinatos em massa são grandemente impessoais e não geram lucro material; a maior parte dos crimes é cometida pela população de baixa renda, a maior parte dos assassinatos em massa é cometida por membros de uma população de renda bem mais alta (a família de um dos dois meninos assassinos de Columbine tinha sete carros em sua garagem!); cometido o crime, a maior parte dos infratores tenta escapar das mãos da justiça, os que perpetram assassinatos em massa ou se entregam (alguns com uma expressão claramente radiante) ou se suicidam!

Continua após publicidade

Acrescente-se que parentes, vizinhos e amigos costumam expressar grande espanto quando tomam conhecimento do massacre, pois são unânimes em afirmar: "Mas ele era um menino tão educado, tão bonzinho!"

Pois é! Esse menino "tão educado, tão bonzinho" não se permitia expressar seu aborrecimento em um supermercado! Estava sempre OK! Até que um dia…

Os episódios de assassinato em massa – assim como as já mencionadas úlceras, infartos, distúrbios da sexualidade, da capacidade de aprendizagem etc. – são rebentos perversos da obrigação de estar OK.

Acho bom protegermos nosso direito de ficar aborrecidos. Estaremos protegendo não apenas a nós mesmos; estaremos protegendo também aos outros.

Esta coluna se propõe a relatar experiências sobre o poder da palavra em nossas vidas. Aqui serão relatados dezenas de fragmentos de diálogo – reais ou fictícios – segundo os pontos de vista da Loganálise, mostrando onde e como esses diálogos apresentam elementos favoráveis ou desfavoráveis ao estabelecimento de uma comunicação sadia. *A Loganálise é um filhote da Psicanálise: pretende mostrar como o cidadão comum, em seu dia-a-dia, pode tirar proveito de conceitos como repressão, fixação, trauma e outros para promover sua própria saúde psicológica e a daqueles com quem se relaciona.