por Regina Wielenska
Veja este perfil: a pessoa tem 20, 30, talvez 40 anos de idade, geralmente mora com os pais, depende financeiramente deles para prover seu sustento, é pessoa de poucos amigos, tem dificuldade para se relacionar amorosamente, não pensa no futuro, pode ou não ter estudado até o ensino universitário e se profissionalizado. É alguém que quase não tem projetos, seus sonhos são desprovidos de projetos e ações compatíveis, acha que não tem sorte e que as portas não se abrem como gostaria que fosse. Vive em casa no isolamento, por vezes mais no mundo online, jogando solitariamente, troca a noite pelo dia, sempre que possível escapa de deveres dentro ou fora de casa. Trabalha pouco ou nada, e desiste fácil de empregos.
Nem tudo pode corresponder à pessoa que você conhece, mas se ela tiver um número razoável dessas características talvez se trate de alguém cujo principal problema pode ser uma discrepância considerável entre a idade cronológica e as habilidades, valores e ações esperadas para um adulto independente, autônomo, capaz de lidar com as demandas da vida e de se relacionar com as outras pessoas de modo íntimo, afetivo e empático.
O que produz um padrão comportamental assim, excluindo os casos em que o prejuízo se devesse à provável influência de déficit cognitivo grave, enfermidades psiquiátricas ou condições médicas em geral?
Temos visto com frequência que esse padrão comportamental decorre de práticas desenvolvidas na família que, a despeito de bem intencionadas, impedem que a criança ou adolescente adquira habilidades fundamentais para uma vida plena como adulto. Superproteção é uma dessas práticas. Iniciativas não são estimuladas. Tudo lhe é entregue de bandeja. Se estiver para ser reprovado no colégio, pode ser transferido para outra escola mais fácil. A comida é entregue na boca quando criança, e na adolescência nem precisa sentar à mesa, só come o que gosta, preferencialmente na frente do computador: sanduiches, os conhecidos porcaritos, com litros de refrigerantes.
Não precisa ajudar em casa, a mãe ou uma funcionária recolhem as roupas sujas, arrumam seu quarto, fazem tudo. Tem trinta e tantos anos, mas não marca suas consultas odontológicas ou médicas, só vai na base do empurra e se alguém arcar com as despesas. Seus interesses são estritos, sabe pouco do mundo.
Dinheiro, para um adulto assim, parece nascer em árvore. E quando faltam recursos na família, alega que sua vida está parada porque não tem os recursos financeiros necessários para crescer e seguir em frente. Não raro sente inveja do sucesso alheio e se ressente com aqueles que não lhe protegem como gostaria, os acusa de insensíveis ou rígidos. Quer ser patrão ou viver de herança. Não lhe passa pela cabeça trilhar os vários e duros escalões de uma vida profissional.
O amor parental é química complexa, precisa mesclar carinho, incentivo ao desenvolvimento, validação de sentimentos, firmeza, bom humor, um monte de coisas. Da fórmula não contam a opressão, violência, negligência, superproteção e vista grossa com sinais preocupantes de um desenvolvimento truncado.
Terapia individual pode ajudar? Sim, claro. Mas a família precisa ser ajudada a rever suas práticas. A questão de ordem é manter o amor e extirpar a superproteção. Quanto mais cedo, melhor.