Por Ceres Alves de Araujo
O medo é uma capacidade inata do cérebro dos mamíferos. Nos seres humanos essa capacidade é rapidamente enredada com os eventos do mundo, na medida em que é regulada pela aprendizagem e registrada na mente consciente.
Ao nascer todos os mamíferos têm respostas instintivas a estímulos muito específicos, do tipo luta/fuga, sem os quais não sobreviveriam.
O medo é uma emoção normal com significado importante na evolução das espécies, pois é o medo que nos motiva a agir, de modo a aumentarmos nossa chance de sobrevivência. É um fator de proteção. A universalidade e o valor adaptativo do medo mostram como ele está enraizado na experiência humana. Apenas o medo crônico pode se transformar em patologia.
À medida que cresce, a criança precisa se afastar da proteção total da família e ir em busca de sua autonomia. É um processo heroico, uma vez que perigos reais e imaginários surgem e a criança precisará lidar com riscos e enfrentá-los. O medo da bruxa, dos seres imaginários povoam a mente das crianças e atrapalham o sono. O entardecer e a noite já são ameaçadores para muitas delas.
Medo da morte
A percepção da irreversibilidade da morte atormenta os seres humanos, desde a metade da infância, trazendo junto o medo das doenças e dos acidentes. Na atualidade, o medo das crianças dos seres imaginários vai sendo substituído pelo medo do ladrão, do sequestro e pelo medo de que os pais se separarem. Qualquer discussão entre os pais é fantasiada como possibilidade imediata de separação, dado o convívio muito frequente com colegas cujos pais se separaram.
O bullying, principalmente na escola, passou a ser mais um fator de medo. As crianças e os adolescentes vítimas de bullying passam a ter medo de ir à escola e as que testemunharam essa agressão, têm medo de se tornarem as próximas vítimas.
O medo da discriminação no grupo de referência perturba a adolescência. Muitas vezes é difícil dizer “sim”, outras é difícil dizer “não”, principalmente aos amigos. O desejo e o medo de transgredir trazem conflitos dolorosos nesse momento da trajetória do desenvolvimento.
As incertezas quanto à escolha da futura atividade profissional, o medo do vestibular, em geral, criam ansiedades no final da adolescência. Logo depois, o início da vida adulta traz a necessidade de assumir novos papeis sociais, dentre eles o papel profissional. Também, constituir família, arcar com a criação e a educação de filhos, trazem responsabilidades no mínimo assustadoras.
Na vida adulta, às vezes antes mesmo, no fim da adolescência surge o medo existencial, a angústia simplesmente de estar vivo. Essa angústia é inerente à existência humana. A angústia possui um papel central na existência do ser humano, pois o coloca frente ao desconhecido, ao risco e à incerteza. Do ponto de vista psicológico, Angerami-Camon, explica que a angústia é um sentimento que amedronta a todos diante do “nada” existencial, isto é, diante da impossibilidade de existir uma explicação para a existência, para o desconhecido.
Medo líquido
O filósofo contemporâneo Zygmunt Bauman cunhou a expressão "medo líquido" propondo a ideia de um medo, na sociedade atual, que se esparrama em todos os lugares, que pode vazar em qualquer canto ou fresta; nas casas, no trabalho, nas ruas, um medo muitas vezes exacerbado, estampado no corpo em forma de pânico.
Costumo contar às crianças que todas as pessoas no mundo têm medo, mas que ao invés de deixar que o medo mande em nós, temos que aprender a mandar no medo. Ao longo da vida vencer um medo, fortalece o eu e traz uma sensação de plenitude, em todas as idades.
A vida é repleta de desafios e o ser humano, em cada idade, precisa enfrentá-los, para se tornar o personagem principal da história da sua vida. A vida tem muitos riscos, traz perigos, mas não os enfrentar pode ser ainda mais perigoso.