Avançamos em direção a uma vida infantil – civilização – que tende a ver apenas a si mesma; entenda por quê
Ao comparar os indígenas com os europeus recém-chegados à América, um autor estabelece uma diferença interessante sobre as respectivas capacidades comunicativas. Para ele, os europeus eram extremamente hábeis na comunicação com seus semelhantes, priorizando esse tipo de contato.
Se considerarmos a quantidade de material escrito enviado das Américas à Europa na época da conquista, teremos uma ideia da importância que se dava às notícias sobre o novo mundo. Muitas dessas narrativas circularam por toda a Europa no Século XVI e tornaram-se populares, tendo sido reeditadas várias vezes.
Por outro lado, os indígenas não eram dados a essa necessidade de se comunicar com outros seres humanos. Talvez isso explique ou decorra – quem sabe – da inexistência de uma escrita cursiva rápida e eficiente na América pré-colombiana. Porém, essa ausência de interesse comunicativo era compensado por uma disposição para entrar em contato com a natureza e os deuses. Digamos que para os indígenas americanos era mais importante falar com o cosmos do que com os demais seres humanos.
Essa diferença na capacidade de comunicação pode nos fornecer uma pista valiosa se queremos entender em que situação nos encontramos hoje sob o ponto de vista das opções civilizatórias. Se ela é verdadeira, então podemos compreender o mundo ocidental como estando centrado exclusivamente sobre o aspecto humano e não sobre o contato com a natureza e o mundo suprassensível.
Meu mundo humano e nada mais
Ora, vendo as coisas assim, podemos entender como eliminamos gradualmente toda interlocução com seres diferentes de nós mesmos e nos limitamos ao mundo humano. O inconveniente dessa leitura é perceber que a história do ocidente é a história do isolamento humano com relação a qualquer outra coisa que não sejamos nós. Então, se trata de uma história de um isolamento gradual em que, cada vez mais, retiramos dos Outros a substância e a vida própria.
Podemos ver isso de maneira evidente no nosso trato com a natureza. Ela foi destituída de qualquer tipo de poder ou conteúdo espiritual para se converter em matéria que pode ser manipulada sem qualquer tipo de restrição ética – a tecnologia. Isso porque a maioria das preocupações ecológicas vigentes ocupa-se com as consequências nefastas da exploração do mundo natural para os seres humanos. Ou seja, o foco é restringir os danos que o abuso do controle da natureza poderiam nos causar. Em nenhum momento a questão é algum valor próprio dela.
Do mesmo modo agimos com relação à religião: o mundo foi expurgado das divindades. Restou somente um e, mesmo assim, ele encontra-se distanciado e pouco ou nada intervêm no que ocorre aqui. A metáfora para esse Deus é a de um relojoeiro que construiu o mecanismo, deu corda e finalizou sua obra deixando-a a si própria.
Se essa percepção faz sentido, se eliminamos gradualmente a interlocução com qualquer coisa que não somos nós, então podemos dizer que somos uma civilização egocêntrica. Não apenas isso, mas também condenada à solidão em função de sua incapacidade crescente de se comunicar com o mundo não humano.
Por que a vida é infantil
Não sei quanto a vocês, mas para mim parece muito claro que avançamos em direção a uma civilização infantil que tende a ver apenas a si mesma. Que vive seus dramas como se fossem únicos, justamente porque eliminou tudo o que não sejamos nós mesmos e não possui mais recursos comparativos.
Mas o que foi deixado de lado continua lá fora. O que foi esquecido e abandonado ainda existe. Não há barreiras suficientemente fortes para manter viva infância por toda a eternidade.