Solidão está relacionada aos nossos problemas mais intensos

Talvez os problemas mais intensamente experimentados no início do Século XXI, estejam ligados à sensação de solidão.

Essa sensação pode ser entendida como a responsável por dramatizar as experiências do indivíduo no mundo. Assim, tudo o que ocorre passa a afetá-lo de uma maneira muito mais intensa do que ocorria anteriormente. E essa intensidade se estabelece justamente porque o indivíduo se sente cada vez mais só.

É como se o foco da percepção estivesse se concentrando, mais e mais, no próprio eu. Então os eventos que poderiam ser compreendidos como tendo pouco valor se tornam imensamente significativos, em função do estreitamento do foco sobre o indivíduo. Ao concentrar-se sobre si mesmo, qualquer nuance, qualquer detalhe adquire cores novas e intensas. Tudo o que é da esfera individual passa a ser extremamente significativo, importante, decisivo. Tudo fere e tudo apazigua, tudo é importante porque faz parte da minha experiência.

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De onde vem a sensação de solidão?

Como o foco da atenção se fecha gradualmente sobre o indivíduo, a sensação de solidão se amplia, porque nada se encontra efetivamente no mesmo nível que eu. Nada pode se colocar à minha altura e, como tal, servir de apoio e de companhia. Afinal, minhas experiências são únicas, somente eu posso vivenciá-las e só eu posso compreender a intensidade delas.

A vida dos outros seres humanos ocorre em uma dimensão longínqua e incompreensível e tudo o que eu posso fazer é manter uma distância respeitosa com relação a ela. Afinal, se trata de um outro eu que experimenta as coisas de uma maneira única, como eu mesmo. O respeito ao outro é respeito pela minha própria originalidade.

Cada ser é único

O indivíduo se tornou único e não há nada na Terra que se pareça com ele. Por isso mesmo, ele está só.

Essa é uma situação cultural que se baseia em uma longa evolução da individualidade, especialmente aquela que se desenvolveu em ambientes cristianizados do Ocidente. A experiência individual tem se tornado mais e mais importante em função das mutações ocorridas a partir do valor cristão da dimensão subjetiva como a plataforma exclusiva da salvação. Mas isso faz parte da história e não irá nos interessar aqui.

Por que há um conflito entre solidão e meio ambiente

Gostaria de fixar a atenção sobre um aspecto importante: o conflito aberto entre a solidão e as questões ambientais. Qualquer leitura biológica de nossa condição existencial tende a enfatizar nossa condição de seres vivos nesse planeta. E essa perspectiva naturalista é muito influente na nossa época. Ela nos diz que somos um tipo de ser cuja existência depende de nossas interações com o meio ambiente. Meio ambiente que, inclusive, sofre as consequências danosas de nossas intervenções em função da ampliação de nossas necessidades individuais.

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O reconhecimento da importância das questões ambientais passa pelo reconhecimento de nossa responsabilidade, enquanto espécie, sobre os danos que estamos provocando ao entorno. Porém, ao assumir essa responsabilidade temos que nos mover para fora de nossa condição de solidão, alimentada pela crença no caráter exclusivo da experiência individual. Ou seja, para assumirmos nosso papel de seres corresponsáveis pelo planeta em que vivemos temos que abandonar a crescente sensação de solidão que nos acomete.

Assim, temos um ambiente contraditório em que a valorização crescente do indivíduo diminui naturalmente qualquer tipo de iniciativa ambiental. Uma concepção mais responsável com relação ao meio ambiente terá que entrar em choque com a enorme importância que o indivíduo concede a si mesmo. Não há como conciliar a solidão crescente com preocupações de ordem ambiental, voltadas para as necessidades do outros não humanos. Para nos movermos em direção a uma compreensão ambiental do nosso planeta, teremos que caminhar para fora de nós mesmos. Mas não em direção aos outros seres humanos parecidos conosco, mas em direção aos outros que não somos nós.

O desafio para realizar essa aproximação com relação ao mundo natural consiste em saber que há outros e que eles são realmente diferentes. Mas eles não são apenas diferentes de nós, como se pudéssemos conhecê-los e contornar o estranhamento que eles nos provocam – tornando-os familiares ao nosso próprio mundo. Isso ainda faria parte dos procedimentos usuais da solidão. Em um mundo habitado por seres efetivamente estranhos, só a ignorância pode nos conduzir. Só ela pode apontar para outros e deter-se aí, no mero reconhecimento de que existem outros.

Ronie Alexsandro Teles da Silveira é professor de filosofia e trabalha na Universidade Federal do Sul da Bahia. Mais informações: https://roniefilosofia.wixsite.com/ronie

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