por Carlos Hilsdorf
A imensa maioria das pessoas deseja realizar mudanças em suas vidas. Nem todas possuem o mesmo grau de consciência sobre as mudanças que desejam realizar. E, ao contrário do que possamos imaginar, nossos desejos não são todos favoráveis. Muitos deles, se realizados, trarão mais sofrimento que felicidade.
Sábio é aquele que aprende a querer o que deve querer. Uma antiga oração diz “Deus, não me dê o que te peço, mas o que de fato preciso”. Esta oração é uma demonstração de profunda sabedoria.
Muitas vezes somos atraídos para armadilhas existenciais disfarçadas em desejos aparentemente maravilhosos, cuja realização pareceria nos trazer um grau máximo de felicidade.
O desejo é o caminho mais fácil para iludir o Homem e, por isso, ele é assunto de todas as práticas espirituais que visam restabelecer uma ligação mais profunda com Deus; a palavra religião vem de religare – que significa ligar de novo. O pressuposto é que, em essência, somos todos ligados ao Criador, e que a vida cotidiana cria ilusões de separação que acabam gerando sofrimento. Este é um aspecto fundamental na maioria das expressões de religiosidade no mundo, todas advertem sobre a necessidade de vencer nossos desejos oriundos do ego para reorientarmos nossa vontade para aquilo que vale a pena querer…
Esta breve reflexão sobre a inadequação de muitos desejos e do quanto eles expressam aspectos patológicos do ego, já é suficiente para que tomemos todo o cuidado com propostas como as contidas em livros que prometem “segredos” e “leis de atração”. Querer que o mundo se submeta aos nossos desejos é inverter as coisas e tentar brincar de Deus.
Felizmente, nossos desejos não são todos atendidos. Quem já não teve um desejo inconsequente em um momento de raiva e descontrole emocional? A simples manifestação dessa energia negativa já trouxe, simultânea e inevitavelmente, algumas consequências menos felizes para o seu autor, já que o desequilíbrio emocional, por si só, já é uma forma de autoagressão.
Devemos nos concentrar em descobrir as características que compõe a nossa essência, conhecendo a natureza do ego e vencendo suas “inconsequências”.
Substituir a vontade que nossos desejos sejam realizados pela vontade que aconteça “o melhor” é o começo do caminho da sabedoria e da sanidade. Não somos donos do mundo e não possuímos condições plenas para decidir o que deve ou não acontecer. Devemos nos concentrar em fazer boas escolhas, escolhas que estejam em sincronismo com a nossa essência e com metas espirituais elevadas, exercendo a aceitação com respeito aos aspectos que fogem à nossa competência de decisão.
Querer fazer por métodos “mágicos” que o mundo realize nossos desejos é uma infantilidade da alma. Claro que o pensamento é uma poderosa força motriz; claro que ele é matéria-prima das nossas exteriorizações e realizações; é evidente que um pensamento focado e disciplinado favorece a possibilidade de vitórias nos desafios da existência, mas daí a querermos moldar o mundo ao feitio de nossos inconseqüentes desejos, é coisa bem diferente.
Reconhecer que existe um princípio de atração na esfera mental e que devemos orientar nossos pensamentos de maneira “positiva” é apenas a ponta do iceberg e não garante a felicidade.
Todas as vezes que condicionarmos a nossa felicidade à realização de nossos desejos infantis estaremos na contramão de sermos felizes. A busca da felicidade é uma busca de auto-realização, de essência, e não pode depender de nada, objeto, pessoa ou acontecimento que esteja fora de nós. Pessoas, objetos e acontecimentos podem fazer parte do cenário onde aprendemos a ser felizes, mas não podem ser a causa da nossa felicidade, ou não teremos felicidade, teremos dependência. E se um destes fatores vier a faltar despencaremos daquilo que chamávamos felicidade para o abismo profundo da depressão e da angústia.
A felicidade é um estado que convive estreitamente com a interdependência, mas prescinde da dependência.
A pior coisa que poderia acontecer à maioria das pessoas seria que todos os seus desejos se realizassem. Onde ainda não há consciência, os desejos agirão sempre contra nossas necessidades mais legítimas… É raro pedirmos o que realmente precisamos…
Busque a Verdade, não o desejo. Busque o Amor, não a dependência.
Não possuir é a liberdade suprema e não desejar é a condição para que a atração verdadeira se processe. Não conheço outro segredo…
Cuidado com aquilo que você deseja, alguns de seus desejos podem “se realizar” para ensiná-lo que não valiam a pena. Embora o aprendizado seja útil e bem-vindo, tenho certeza de que nestas condições, você preferiria não ter desejado…
Nas histórias sobre gênios e lâmpadas, eles concedem apenas três desejos – isso é para evitar que as pessoas na lenda compliquem demais seus destinos com desejos inconsequentes e aprendam a escolher o que vale a pena pedir!
Essas lendas ensinam muito sobre a vida porque são oriundas da sabedoria milenar de povos antiquissimos. Acredite mais na competência de fazer escolhas que na possibilidade de ter os desejos “magicamente” realizados. Se você escolher corretamente, o que deve acontecer, acontecerá. E o resultado será muito melhor que o “desejado”!
Cuidado com o que você deseja, seus desejos expressam mais suas fraquezas que suas forças…
Vença os desejos infantis, vença o ego e você terá um encontro face a face com a felicidade que você tanto busca. Ela não está em outro lugar senão dentro de você!