por Roberto Goldkorn
Um discípulo alemão estava num *dojo no Japão, diante do mestre Zen, e de outros discípulos japoneses, quando de repente a terra tremeu. As frágeis paredes do recinto vieram abaixo, e o pânico se instalou entre os jovens discípulos que agilmente saíram correndo de lá. Mais lento, o alemão foi o último a sair, quando algo o fez olhar para trás. E o que ele viu, o paralisou.
O velho mestre sentado impassível na sua posição **seiza. Envergonhado o discípulo alemão retorna e senta-se. Um a um, os outros mais jovens vão voltando e de cabeça baixa sentam-se e o mestre continua a meditação. Dias mais tarde, com aquela curiosidade típica de ocidental, o alemão não se conteve e inquiriu o mestre sobre o porquê da sua não fuga na ocasião do terremoto. O mestre demorou um pouco a responder, e disse: “Meu filho, onde era o terremoto?”
“Lá fora”, respondeu o alemão.
“E vocês estavam correndo para onde?”
“Pra fora”, respondeu já atingido pela irretorquível lógica, o discípulo. Essa história foi narrada pelo filósofo alemão Eugen Herrigel no livro a Arte Cavalheresca do Arqueiro Zen. Usei essa história para servir de ponte ao meu artigo de hoje sobre a situação de grave crise pela qual nós brasileiros estamos passando, um verdadeiro terremoto.
A crise embora esteja sendo tratada na esfera política, judicial e policial, é fundamentalmente moral. Envolve tantos elementos emocionais que seria impossível tentar mapeá-los aqui. Impossível também é dimensionar o tamanho e a duração do estrago que está fazendo e fará ainda em muitos de nós, numa espécie de estresse pós-traumático.
Algumas pessoas têm me procurado para compartilhar as suas angústias, e muitas pensam em ir embora, sem saber exatamente para onde e como farão isto. Já vivemos outras crises, e me lembro claramente, de manchetes do passado que diziam em letras garrafais: “MAR DE LAMA”! É impossível medir o nível em que os escândalos nos atingem, é impossível saber se aquela infecção urinária da Maria, ou o acidente (por pura distração) do João, ou ainda a gastrite do Pedro, ou a depressão da Joana foram causadas por esse estresse pós-traumático das notícias com as quais somos bombardeados diariamente.
Mas algo acontece, isso é inegável. Não podemos ser impermeáveis a esse tipo de estímulos, não somos super-homens, nem supermulheres capazes de resistir ao mesmo tempo às intempéries 'naturais' do nosso dia-a-dia, e ainda por cima uma carga extra de agressões a nossa honra, dignidade, a nossa simples humanidade.
A impotência do homem comum diante de um mundo que lhe é hostil, mas contra o qual nada pode fazer, é sim causadora de doenças das mais diversas. Entre as reações mais ostensivas, está o escapismo, a busca de uma Passágarda, a fuga para uma ilha paradisíaca onde possamos apenas viver as nossas vidas sem sermos molestados moralmente. Essa também é uma reação negativa, por si só, indicativa de um desequilíbrio, pois como disse o velho mestre: a crise é “lá fora”.
O que ele quis dizer com isso, usando uma rica simbologia muito zen? Que não há lugar, para onde fugir, senão para dentro de si mesmo, para o templo-fortaleza que você construiu dentro de si mesmo. Mas e se você não construiu esse templo? E se você passou todo o tempo empenhado em apenas construir “lá fora”? Uma casa própria, uma carreira, uma imagem, uma fortuna pessoal, um império…? Aí meu caro, quando a casa cai não há para onde ir.
Também me sinto afetado pela atual crise “política” de 2005, principalmente pelas incógnitas que ela encerra em seu bojo nebuloso. Também sinto ânsia de vômito, e tremores de vez em quando diante da TV ou da revista semanal, mas imediatamente penso que isso está acontecendo “lá fora”, como já sucedeu outras vezes, e infelizmente vai acontecer mais para frente. Mas fecho os olhos e deixo- me deslizar suavemente para meu quarto secreto (meio desarrumado confesso) construído ao longo de uma vida. Fecho os olhos e silencio. Fecho os olhos e entôo uma oração silenciosa e me deixo na quietude. Ali me fortaleço, e tento anular os efeitos malignos desse estresse pós-traumático. Ali reconheço a minha fragilidade e me permito ser embalado pelo meu Deus Luminoso, incorruptível, uma Rocha!
Cada um deveria construir um espaço interior para se refugiar não apenas em tempos de grave crise, mas sempre. O mundo “lá fora” constrói e dissemina o medo, que é fatal quando se instala nos nossos corações. O medo sempre vem acompanhado de seus primos, a vergonha, a humilhação, a insegurança, a violência e outros (é uma família e tanto). Mesmo que nos sintamos fortes o bastante para lutar em campo aberto, “lá fora”, com as armas “deles”, sem essa parada no templo-fortaleza interno, seremos apenas esmagados, ou pior: cooptados, e passaremos a ser agentes do “lá fora”.
Faça como o mais sábio dos três porquinhos construa uma casa sólida, mesmo que isso leve tempo e seja complicado, nenhum lobo mau poderá derrubá-la.
* Dojo: Segundo o Dicionário Houaiss: escola de treinamento em artes marciais de defesa pessoal, esp. judô e caratê
** Seiza: A maneira dos japoneses se sentarem sobre os calcanhares, com uma mão sobre a outra, conhecida como nipon-za (postura japonesa), é um tipo de seiza.