por Patricia Gebrim
Outro dia eu estava em casa, sossegada, relaxando bem no centro do meu Eu.
Pense no seu Eu como se fosse a sua casa interna. Ele tem portas e janelas, tem lugares claros e cantinhos escuros, como acontece em casas de verdade. Algumas pessoas tem Eus enormes, outras pequenos cantinhos cheios de charme.
O meu Eu era um cantinho mínimo, mal cabia um sofá e uma cama. A cozinha era tão pequena que era possível pegar tudo nela sem dar um passo sequer.
Bem, lá estava eu quando a campainha tocou. Atendi, despreocupada, sem prever o que me esperava. Mal abri a porta e um labrador imenso entrou correndo, derrubando o vaso com seu rabo impossível. Você deve conhecer, o labrador é um cão cheio de energia, cheio de pelos, cheio de dentes e cheio de patas que sujavam meu minúsculo sofá! O susto foi tão grande que nem me dei conta do que acontecia, olhei pelo corredor a tempo de ver a Vida saindo de mansinho. É assim que acontece… De vez em quando a Vida nos presenteia com um problema e sai de fininho, nos deixando lá, de cabelos em pé, vendo tudo ficar de pernas para o ar!
E o meu problema estava lá, acreditem ou não, se sacudindo todo, enchendo de pelos o piso branco do microapartamento. O que eu vou fazer com esse labrador que está RASGANDO MINHAS ALMOFADAS DE SEDA DO AFEGANISTÃO??? Corri para ele, tentando salvar as almofadas, mas ele achou que eu estava brincando, e afastou-se correndo … oh, não!!! … Ele viu os croissants que eu tinha acabado de trazer. Em um segundo não sobrou uma migalha sequer. O bicho era enorme, faminto… E que energia! Consumia tudo o que encontrava pelo caminho – assim fazem os problemas em nossas vidas. Corria para lá e para cá bagunçando tudo por onde passava, estava me deixando maluca.
Fui ficando desesperada! Por mais que eu tentasse, não conseguia me livrar daquele horrendo animal devorador de sofás e croissants. Chamei os bombeiros, chamei a sociedade protetora dos animais, chamei por todos os santos que pude lembrar, mas o cão continuava lá, desafiando minha sanidade, minha paz. Nesse exato momento mordiscava saborosamente as tiras de minhas sandálias de oncinha. Peguei o telefone pensando em contratar um domador de leões para acabar com aquele problema de quatro patas, mas minha mão ficou melada com uma baba branca e gosmenta, baba de cachorro que escorria do telefone sem fio … Que nojooooo! Larguei o telefone.
Socorro… Não sei o que fazer para me livrar disso!
(Uma pausa na história …)
É mais ou menos assim que nos sentimos na vida quando somos inesperadamente presenteados com um problema. Aliás, problemas são mesmo inesperados, afinal quem espontaneamente escolheria trazer um bicho peludo e cheio de baba para dentro de um "microapartamento" de 30 metros quadrados?
Bem, assim foram se passando os dias, e por mais que eu tentasse não conseguia tirar o bicho pulguento de lá. Senti de tudo… raiva…desespero… frustração. Me senti a mais infeliz das criaturas, chorei litros … e então … um dia … cansei. Simples assim. Acho que de certa forme me resignei. Sentei ao lado do monstro peludo e, quando dei por mim, minha mão estava percorrendo o pescoço do cachorro. Sei lá, era uma espécie de carinho que não sei explicar. Naquele momento a razão não me servia para nada. E eu me perguntei em silêncio, olhando para a cara do cão atrapalhado:
– O que você está fazendo aqui, afinal?
Nesse exato instante minhas mãos tocaram algo. Era uma coleira e parecia ter algo preso nela! O que seria? Com cuidado fui sentindo aquilo, afastando o denso mar de pelos. Era um papel enrolado, como um minipergaminho. Curiosa, abri. Três palavras estavam escritas numa letra firme e bonita
Cresça por dentro
O que isso poderia significar?
Fiquei confusa e naquela noite fui dormir pensando no estranho bilhete. ( “dormir” é modo de falar… quem consegue dormir com um labrador enorme tentando cavar buracos no seu colchão?). Cochilei em algum momento, tive um sonho, e nele vi meu apartamentinho crescendo, crescendo. A sensação era boa! Como se estivessem inflando meu peito com um arzinho quente e bom.
Quando acordei, olhei ao redor e mal pude crer no que meus olhos me diziam. Eu estava em uma casa enorme! A sala era ampla, vários cômodos iluminados me convidavam a descobrir meu novo Eu. A cozinha era toda branca e moderna, chiquérrima! Cada quarto tinha uma varanda com uma deliciosa poltrona, e almofadas coloridas. E o jardim… Ahhhh… o jardim era enorme. Todo gramado, com árvores, flores, e uma fonte que fazia um delicioso som cheio de paz. E lá, no meio do jardim, a coisa mais fofa do mundo: um lindo labrador de pelos brilhantes e focinho feliz. Corri para ele e rolamos na grama por um bom par de horas.
Acabou a história.
Eu sei que histórias não se explicam, assim vou apenas dizer algumas poucas palavras.
Primeiro: os problemas já trazem em si as soluções, basta que você se aproxime o suficiente para encontrá-las.
Outra coisa… Quando a vida lhe trouxer um problema, se você não conseguir se livrar dele, cresça por dentro. Eu descobri que é preciso que a gente cresça por dentro a ponto de olhar os problemas como se eles fossem pequenos. Temos que olhar com olhos grandes, enxergando ao longe, como se fossemos gigantes mirando ratinhos.
Sabe como você pode fazer isso? Sabe como fazer para crescer por dentro?
É fácil. Basta recuperar a memória de quem você é. Porque na verdade você já é grande por dentro. Você é enorme. Maravilhoso. Poderoso. Maior do que qualquer problema. Acredite. Você é. Todos somos.
Para recuperar a memória lembre-se de quantas coisas existem em sua vida, coisas que estão além do problema. Não fique cego e surdo. Olhe para dentro. Ouça sua própria voz. Olhe para o céu e para todas aquelas estrelas… olhe para a quietude das montanhas… olhe para a imensidão do mar… perceba… sinta… sinta a vastidão do Universo… deixe seu peito ficar grande lá dentro. Isso é crescer, por dentro, sabe?
Ao fazer isso você ganha espaço, ganha salas internas, cozinhas maravilhosas, ganha varandas, cores e os mais belos e milagrosos jardins.
E tudo fica tão lindo e espaçoso que até mesmo um desastrado labrador, como que por magia, de repente, deixa de incomodar.
Pode até ser que você goste dele… mas isso já é outra história!