Por que as crianças mentem?

Pesquisadores em desenvolvimento humano afirmam que a mentira na infância é “normal”. Pode-se perguntar: por que as crianças mentem e isso é normal?

As crianças geralmente começam a mentir entre dois e quatro anos, na idade da pré-escola. As mentiras nessa idade são  tentativas intencionais de enganar, que  podem preocupar os pais. Porém, essas mentiras não precisam causar preocupação, pelo contrário, é um indício que a criança está começando a desenvolver a “Teoria da mente”, que é a possibilidade de intuir que as outras pessoas possuem mentes diferentes da sua, que podem ter crenças  e desejos próprios, diferentes dos seus. Nessa idade, ao mentir, a criança está tentando implantar uma falsa crença na mente do outro.

Continua após publicidade

As primeiras mentiras são mais engraçadas que eficazes. Os pequenininhos  creem que podem enganar os outros, mas não possuem o desenvolvimento cognitivo suficiente para realmente enganar.

Embora a mentira seja socialmente indesejável, nessa idade, ela sinaliza a aquisição de uma habilidade social importante, que é a cognição social, a tentativa de interpretação dos sentimentos e pensamentos do outro. Tal habilidade está relacionada à empatia.

As mentiras mudam com a idade. À medida que as crianças crescem e o desenvolvimento da linguagem vai se tornando mais sofisticado, elas se tornam capazes de perceber os tipos de mentiras que podem ser críveis para os outros. Também se tornam mais hábeis em manter a mentira ao longo do tempo.  As crianças mais jovens tendem a mentir para ganho pessoal, mas as um pouco mais velhas, muitas vezes, antecipam a possibilidade de sentiram-se mal consigo mesmas se mentirem, pois estão adquirindo a noção de certo e errado.

Pré-adolescentes e adolescentes, já fazem uma distinção entre a “mentira branca” e a mentira antissocial ou prejudicial. Costumam considerar a mentira aceitável quando seu uso é para ajudar um amigo ou para manter um segredo, mas não aceitável quando fere ou machuca alguém. Eles tendem a mentir a seus pais e professores sobre aquilo que eles consideram que diz respeito apenas a eles.

Continua após publicidade

Quando a mentira se torna um problema?

Os pais precisam se preocupar quando a mentira se torna crônica ou quando ocorre em conjunto com outros comportamentos desajustados, como: condutas agressivas persistentes em casa e na escola, oposição a figuras de autoridade, persistente violação de regras, dificuldade de lidar com frustração, dificuldade de se responsabilizar por sua ação. 

Precisa ser causa de atenção quando a mentira é usada por medo, vergonha ou por severa ansiedade. Alguém pode mentir para evitar situações que desencadeiam pavor, fobias…

 Como ajudar as crianças a não mentirem? É importante lembrar que muitos adultos mentem e que um adulto que mente não se qualifica muito para ensinar seus filhos a não mentirem.

Continua após publicidade

Quando se trata de crianças bem jovens, nem sempre mentira é mentira. Até os cinco anos, uma mistura entre realidade e fantasia costuma ser prevalente e a capacidade para imaginação do ser humano nasce nessa época. É preciso diferenciar entre o fantasiar e a tentativa objetiva de enganar.

A mentira advinda do medo, da insegurança, da ansiedade que pode acontecer geralmente a partir dos 5 anos, necessita ser compreendida como possível produto de dificuldades adaptativas do filho, as quais precisam ser entendidas e  atendidas.

A criança reconhece e segue normas somente quando respeita as figuras de autoridade que as impõem e, apenas, em um estágio posterior as regras vão se impondo per se (por si mesmo) até se alcançar a autonomia moral. Assim, é necessário dar suporte emocional aos filhos, mostrar quando a mentira pode desmerecer, ferir, machucar e afetar o outro e como ela pode fazer com que eles próprios se sintam mal por mentirem. Pais devem enfatizar os aspectos positivos de contar a verdade e, progressivamente, a criança pode se sentir orgulhosa por contar a verdade.

Deve-se evitar punições excessivas e descontextualizadas. Crianças criadas em lares e escolas muito punitivas tendem a se tornar mentirosas eficientes.

É psicóloga especializada em psicoterapia de crianças e adolescentes. Mestre em psicologia clínica pela PUC-SP, Doutora em Distúrbios da Comunicação Humana pela Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo, professora do Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia Clínica da PUC e autora de vários livros, entre eles 'Pais que educam - Uma aventura inesquecível' Editora Gente.