por Silvia Maria de Carvalho
"Bem, minha mãe e meu pai brigam muito. Já falaram até em separação, mas não se separaram. Sinto que deveria fazer algo para ajudá-los e não sei o que fazer! Gostaria de saber o que posso fazer para ajudá-los, pois não queria que eles se separassem. Desde já, agradeço."
Resposta: Bem que a gente gostaria que “fossem felizes para sempre”, não é? E também que estivessem juntos na saúde, doença, alegria, tristeza, riqueza, pobreza … até que a morte os separasse.
Aí percebemos que querer não é o suficiente para as coisas acontecerem.
Há laços mais profundos na história de um casal do que podemos imaginar. Mesmo para os filhos que convivem com os pais intensa e diariamente, há algo acontecendo invisível aos olhos, no subterrâneo da afetividade. Amor não é o único ingrediente que tempera as relações. Aliás, às vezes, é o que mais falta.
Há conexões escondidas, correspondências invisíveis, contratos silenciosos. Há alguma complementariedade mantendo os relacionamentos. O comportamento de um está ligado ao do outro. A ação de um, muitas vezes, é mantida e fortalecida pela ação do outro. Assim como não existe teatro sem plateia, de alguma forma, há um equilíbrio sustentando a vida conjugal. Se existe o agressivo, há quem permita a agressividade. Analisando a situação, ambos são responsáveis.
Geralmente as pessoas não se dão conta de sua própria participação nos problemas que atormentam a convivência. Reconhecer tal papel é o início da saída.
O comum é ficar aquele jogo do empurra: “Sou assim porque você faz isso”, ou “Se ele fosse mais organizado eu poderia ter mais tempo pra mim”, “O problema é que ele é injusto”… E passam a vida paralisados, jogando a “batata quente” para o outro; justificando pro mundo a dificuldade de conviver com alguém tão incompreensível.
Há de se ter vantagens nesse modo de vida, já que mudanças dão trabalho e desorganizam a gente por um tempo. Há um “conforto” em viver com os problemas conhecidos e familiares. Uma vida nova pode até ser melhor, mas é totalmente desconhecida. Há quem prefira não arriscar.
Para que haja crescimento e transformação, é indispensável que cada um, no par, se responsabilize por seus limites e dificuldades. E ao invés de dizer “Sou assim porque você…”, fale: “Sou assim porque eu…”.
Por que te contar tudo isso?
Porque quando li sua pergunta foi inevitável não pensar no seu papel de mediadora de seus pais.
Não há dúvidas que você sofre ao vê-los brigando. E num piscar de olhos invertemos as funções: viramos responsáveis por questões que não são nossas, dentro da família. Você os ajudaria se deixasse esse problema (que é deles) para eles. E pudesse simplesmente ser a filha.
Esquecemos que o silêncio é nosso maior aliado em tantas ocasiões! Dizer que você os apoia seja lá qual for a decisão deles, não é das tarefas mais fáceis. Você pode até sentir que está abandonando seus pais. Entendo perfeitamente. Em contrapartida, não vejo algo que funcione melhor.
Acredite: aos poucos você vai se sentir gratificada por olhar suas próprias questões. Seus pais se resolvem. As pessoas se reorganizam e pode ser que sejam até mais felizes, caso se separem. E se não… bom! Sinal que estão bem adaptados como estão.
O oráculo chinês I Ching tem uma citação que acho interessante. Diz assim:
“Quando o pai é um pai e o filho é um filho, quando o irmão mais velho faz o papel de irmão mais velho e o mais novo, seu papel de irmão mais novo, quando o marido é realmente o marido e a esposa uma esposa; então há ordem.”