por Carminha Levy
Nos anos 60, o mundo acadêmico foi surpreendido pela publicação de um estudo de campo sobre Xamanismo do antropólogo Carlos Castañeda, que teve a força de uma revolução, pois veio abalar as crenças científicas materialistas vigentes.
Ao 1º livro, "A Erva do Diabo" (Ed.Record), seguiram-se vários ao longo dos anos que durou seu dolorido processo de iniciação no Xamanismo.
Carlos Castañeda, desafiando com muita coragem e pioneirismo a rigidez do *pensamento cartesiano, deu início ao retorno do herói da consciência – o xamã e do movimento neoxamanistico.
Paralelamente a esta impactante revelação, difundida principalmente entre o público leigo, um outro antropólogo norte-americano, Michael Harner, inicia-se no xamanismo na floresta amazônica através da **ayahuasca e surge assim uma outra via do neoxamanismo, que se expande nas universidades e corre como um rio tranqüilo no mundo acadêmico, por se basear em dados científicos.
Publica "O Caminho do Xamã" (Ed. Cultrix) e leva às suas aulas de antropologia o Xamanismo interno, aquele que é acessado ao toque do tambor (gravado numa fita cassete).
Posteriormente seu método de trabalho, sempre com o som do tambor, sai das universidades e fica à disposição dos interessados em xamanismo, inicialmente em Easalen – Ca-USA (onde me iniciei pelas mãos e sabedoria do próprio Michael Harner), de onde sai para se difundir de "costa-a-costa" dos USA e posteriormente em quase todo o planeta, inclusive na China.
Nasce e cresce assim a primeira escola de Xamanismo, "The Foundation for Shamanic Studies", na qual fiz minha formação inicial e da qual tenho a honra de ser membro honorário.
Este feito de Michael Harner só pode ser medido conhecendo a rigidez do pensamento dos seus pares e de sóbrios estudantes de antropologia que, ao som do tambor entravam no Universo Xamânico, fazendo as mesmas viagens que as nossas, através do "trote" do tambor, o "cavalo" do Xamã.
É neste "cavalo" que o Xamã faz as ligações entre os mundos do meio, profundo e superior.
O 1º é a nossa realidade cotidiana, o 2º é onde habitam os arquétipos do Ego (nossa criança interna, entre outros e dos reinos mineral, vegetal e humano, os animais e nosso Guia Xamã. O 3º é a morada dos grandes arquétipos mestres (Deus-Deusa) e dos seres iluminados cósmicos.
Transitar entre os três mundos sem perder a consciência é um talento específico do Xamã e o que o define.
A importância do tambor data da origem humana, pois o seu toque é o 1º som que o feto ouve na barriga da mãe: a batida do coração dela que ressoa com o coração da Mãe Terra.
O surgimento destes dois eventos marca, para os nativos norte-americanos, o momento determinado pelo Grande Espírito da liberação da sabedoria xamânica ao homem branco. Entretanto, necessário se faz esclarecer que o xamanismo não é um fenômeno indígena e pertence a toda humanidade. Ele vem do início dos tempos, de quando o ser humano dormia na inconsciência do Éden.
Nestes tempos, alguns homens e mulheres, já tocados pelo divino, ao som dos tambores entraram em êxtase, saíram do corpo e foram aos mundos superiores onde repousava o Arquétipo do Divino.
Tomados por um arrebatamento cósmico ao se defrontarem com o Sagrado, estes serem ganharam a iluminação – a consciência.
Começa assim um longo despertar da consciência da humanidade que se perde desde o início dos tempos e que segue até nós nos dias de hoje, através do xamã.
As primeiras manifestações do Xamanismo são matriarcais – o culto à Grande Deusa, a imersão na natureza o contato íntimo com os animais e a vida sendo regida fraternamente pela cooperação entre os membros da tribo.
Tudo mudou com o patriarcado que, com sua horda de bárbaros, para se estabelecer necessitou esmagar o poder do feminino através da destruição do culto à Grande Mãe – a Deusa.
O Xamanismo foi banido, mas mantido secretamente pelas tribos nômades que conseguiram escapar ao domínio dos bárbaros. São os ancestrais dos povos nativos que, orientados pelo Grande Espírito, recebem a missão de manter o Xamanismo como um grande segredo que só poderia ser revelado quando a humanidade tivesse o mérito de recebê-lo para salvar a Mãe Terra.
O momento é agora e nós, os xamãs, somos os responsáveis por honrar, divulgar e trabalhar por essa causa.
Xamanismo não é religião
Apesar do seu caráter sagrado e da sua natureza divina, o Xamanismo não é uma religião e nem está associado a um grupo étnico específico.
Vindo da aurora da humanidade, é uma herança de todos os povos.
É uma filosofia que nos ensina o re-ligare. Praticamos esta filosofia tendo-a como norte de nossa vida, atitudes, crenças e verdades.
Praticamos primeiramente a cura pessoal, por ser o Xamã o arquétipo da autocura e também a cura coletiva.
Somos os guardiões do equilíbrio ecológico interno (nossa consciência egóica) e externo – nossa responsabilidade com a Mãe Terra.
E como os antigos xamãs, somos os detentores das soluções criativas, única saída para resoluções de problemas da vida cotidiana e da vida planetária.
Alicerçados no tripé do sagrado, da cura e da criatividade, somos os 'guerreiros da luz', aqueles que batalham pela cura dos corações feridos dando rumo às almas que ainda não encontraram seu destino. Criamos um mundo de paz oferecendo a sabedoria dos nossos ancestrais e o respeito pela Mãe Natureza.
Somos buscadores do autoconhecimento e sentido de vida. Somos guiados pela responsabilidade de estabelecer a Paz na Terra. Somos alegres, amorosos, respeitamos todas as diversidades, praticamos o não julgamento, a tolerância entre os credos e as raças e temos um rígido e sábio código de ética – as cinco leis xamânicas que lhes oferecemos e convidamos a praticá-las:
As cinco leis do Xamanismo
1ª Lei – "O Xamã pratica a impecabilidade do Guerreiro". Essa impecabilidade é regida por um coração compassivo.
2ª Lei – "O Xamã pratica a entrega". Ele pede o que necessita já agradecendo o recebido, pois tem fé e confia na Lei do Cosmo "
3ª Lei – "O Xamanismo obtém o máximo de eficiência com o mínimo esforço" Por viver no aqui-agora e ter sempre um foco único no que faz, ele vive num nível de excelência.
4º Lei – "O Xamã pratica o desapego". Talvez a mais difícil das leis, pois temos a ilusão de praticá-la, o que nem sempre se torna realidade.
5ª Lei – "O Xamã deixa de viver causa e efeito (karma) e passa a viver a sincronicidade (dharma).
E o caminho vai sendo mostrado pelos sinais que nos levam à felicidade interna de se saber participante do Grande Plano Divino. Axé na Luz!
*Pensamento cartesiano: relativo aos pensamentos do filósofo e matemático francês René Descartes (1596-1650). O método cartesiano consiste no Ceticismo Metodológico – duvida-se de cada idéia que pode ser duvidada.
** Ayahuasca: Pajés da Amazônia ocidental vem utilizando a planta Banisteriopsis caapi para produzir uma bebida cerimonial chamada "ayahuasca". Os pajés utilizam a ayahuasca (que significa "cipó da alma") em cerimônias religiosas de cura, para diagnosticar e tratar doenças, para encontrar com espíritos e adivinhar o futuro.