Por Patrícia Gebrim
Não costumamos falar na morte, como se dessa maneira a pudéssemos vencer.
Associamos a morte a algo ruim e assustador, que deve ser evitado a qualquer custo. Assim sendo, nunca associamos a morte ao amor. Mas amar de verdade requer entrega, uma profunda entrega, uma espécie de morte, e fico aqui pensando se não será esse o motivo das pessoas terem tanto medo de amar.
Se para amar é preciso morrer, a escolha das pessoas tem sido deixar o medo da morte vencer. Preferem fugir do que correr o risco da entrega, como se fossem se desfazer, deixar de existir.
Quando isso acontece, as relações acabam se estabelecendo em níveis superficiais, mera troca egoica, empobrecida e condicional. Perdemos a chance daquele amor maior. De olhar sem barreiras no fundo dos olhos do outro em busca da sua luz. De permitir que o outro nos olhe através de nossas defesas, que veja em nós a realidade de tudo o que é. A beleza, a feiura, a coragem, os medos, o anjo, o demônio, os sonhos, as inseguranças, a nua existência da nossa alma exposta em toda a sua frágil beleza.
Não há força maior do que essa entrega, que permite que o amor maior aconteça. Não há beleza maior do que nos deixarmos ver, nus e frágeis, abertos, sem defesas, confiantes de que eu e o outro possamos, juntos, trilhar o caminho do amor.
A entrega amorosa só pode ocorrer quando abrimos mão das defesas. É preciso correr riscos. Isso não quer dizer permitir que o outro nos fira, maltrate ou desrespeite. Permitir esse tipo de coisas não seria amor, e sim falta de amor por nós mesmos.
Quando me refiro à morte que leva ao amor, estou falando da morte do ego e de nossa total entrega à nossa própria alma, à nossa sabedoria interna.
Se o lado sombrio de outra pessoa ocultar sua luz e aquela pessoa passar a nos ferir, tomada por sua ignorância ou aprisionamento em experiências passadas, nossa alma poderá nos inspirar a nos afastarmos, cuidarmos de nós, baseada na compreensão de que, naquele momento, aquela pessoa não é capaz de se relacionar conosco sem nos ferir. Podemos amar profundamente uma pessoa e, ao mesmo tempo, compreender que não é possível viver a seu lado.
Nesse caso, apenas nos afastamos, dando ao outro a liberdade para viver as experiências de que necessita. Podemos fazer isso sem julgar ou condenar o outro.
Podemos continuar amando o outro, mesmo tendo que nos afastar dele. Podemos ver o outro como uma parte de nós mesmos. Isso só acontece quando o ego enfraquece em nós e abre espaço para a alma passar.
Morrer pode parecer, aos que tenham menos consciência, um preço alto demais para se amar. Mas o que morre nesse caso é a ilusão de separatividade, a linha que traçamos separando o eu do outro, o limite que diz que sou isso que existe para dentro de minha pele, e que o que quer que esteja do lado de fora já não é “eu”. Quando essa delimitação se desfaz, o nosso verdadeiro eu se liberta dessas falsas fronteiras.
Ao amar, morremos como “ser separado” e nascemos como o “tudo que somos”. É lindo isso. Nos expandimos infinitamente em todas as direções. Nos tornamos não apenas aquilo que acreditávamos ser, mas também tudo o que nos cerca. Somos quem ama e também aquilo que amamos. Não há separação.
A alma finalmente se liberta das garras do ego. Sinta isso por alguns instantes.
A estrada para o amor verdadeiro e mais duradouro necessariamente precisa de coragem, entrega e parceria em níveis muito profundos.