Por que maioria das pessoas deseja mudar de vida

Quase todos desejam uma vida diferente da que possuem, gostariam de estar em outra situação. Mas essa possibilidade de mudança está realmente ao nosso alcance?

Talvez a declaração de intenções mais universal que exista nos nossos dias, seja aquela que indica uma vontade de mudar de vida. Quase todos desejam uma maneira de viver diferente da que possuem. Você pode fazer esse teste e perguntar para as pessoas que você conhece quem vive a vida que gostaria de viver. Seguramente mais de 90% das pessoas vão afirmar que gostariam de estar em uma situação diferente da atual.

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Liberdade, nascimento e destino

Claro que isso está ligado ao gozo – pelo menos teórico – de uma dose de liberdade que não existiu sempre. Para nós tornou-se um lugar comum projetar a possibilidade de viver uma vida de acordo com nossas características individuais e não nos conformarmos às imposições de nascimento e destino.

Insisto que esse lugar comum é teórico, isto é, nós acreditamos que seja assim: a possibilidade de tomar um caminho cabe apenas a nós. Talvez isso seja ilusório na prática e não exista nada parecido com isso. O fato é que acreditamos que essa possibilidade está ao nosso alcance.

O problema que existe com essa crença é uma certa ingenuidade na maneira como a encaramos em nossas vidas. Embora muitos cogitem em adotar estilos de vida diferentes, vemos que a maioria das pessoas está adaptada a um conjunto padrão de valores e modalidades de comportamento.

Efeito manada

No básico, todos possuem famílias mononucleares (pai, mãe e filhos), empregos convencionais dentro dos padrões ocupacionais vigentes em nossa sociedade. Além disso, vemos que as pessoas adotam comportamentos ligados ao lazer bastante parecidos. Por isso, ocorrem deslocamentos em massa para o litoral ou para a serra nos períodos de férias. No que diz respeito à alimentação, também não há uma variedade de estilos tão grande. Parece que o que varia mesmo é a capacidade para adquirir tais ou quais alimentos. No vestuário ocorre coisa parecida em função do que é exigido nos locais de trabalho e nas convenções estabelecidas.

Ou seja, tudo indica que existe um quadro de extremo conservadorismo prático ao lado de crenças em nossa ilimitada capacidade de dar à nossa vida uma feição distinta. Talvez essa crença não seja nada além de uma modalidade cultivada de ilusão para tornar a adesão a todos aqueles lugares comuns mais fácil. Ela certamente desempenha esse papel ideológico. Mas isso é uma simplificação quando verificamos que hoje há certamente mais liberdade do que, digamos, há 200 anos atrás.

De fato, a sociedade parece ter se tornado mais tolerante a mudanças e à adoção de comportamentos menos convencionais. Basta mencionar as conquistas das mulheres nesse período. Há 200 anos atrás, os pais decidiam, inclusive, com quem seriam realizados os casamentos.

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A situação é mesmo curiosa quando percebemos que houve um incremento em relação à liberdade individual em um mundo em que predomina o conservadorismo e as práticas consagradas do passado. Talvez seja o caso simplesmente de não estarmos preparados para a dose atual de liberdade. Claro que isso seria algo temeroso: pensar que se nossa liberdade atual for restringida, estaríamos melhor ajustados a nós mesmos do que agora – com uma dose maior de flexibilidade. Seria como declarar que não estamos habilitados para ser livres. Não creio nisso.

Queremos uma vida diferente, mas sem abrir mão do conforto

 O que parece ocorrer – e que torna a nossa situação tão peculiar – é que desejamos formas de vida diferentes dentro do conforto atual. Ou seja, a maioria de nós quer mesmo viver de outra forma, mas não se dispõe a abrir mão do padrão atual. Não me refiro aqui somente a conforto material, a bens, e sim à estrutura geral que orienta nossas vidas de maneira clara. Afinal, dentro de um modo de vida sabemos onde estamos e para onde vamos. Mas no interior de outras possibilidades tudo isso está para ser definido.

O infinito campo de possibilidades é uma espécie de nada

O que parece nos amedrontar é o fato de que o universo de possibilidades é uma espécie de nada em que temos que mergulhar se queremos assumir outras formas de viver. E o nada, como se sabe, nada nos diz. O aquário em que nadamos todos os dias nos garante onde estamos, mesmo que seja só uma caixa de vidro fixada em um lugar de um universo de infinitas possibilidades.

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Ronie Alexsandro Teles da Silveira é professor de filosofia e trabalha na Universidade Federal do Sul da Bahia. Mais informações: https://roniefilosofia.wixsite.com/ronie