Por Monica Aiub
Algoritmos que “decidem” por nós, Fake News criadas para “conduzir” nossas escolhas, Big Data armazenando informações sobre nossos hábitos, pensamentos e sentimentos, monopólios de gigantes empresas do ramo da tecnologia, Big Tech, internet das coisas, internet ubíqua…
A tecnologia incorporada nos modifica a cada dia, transforma nossas relações, nossos hábitos. Há quem aposte na utopia tecnológica, mas maiores têm sido as distopias retratando um mundo onde nos tornamos “escravos” da tecnologia. Esta ideia contém em si uma espécie de antropomorfização da tecnologia, como se ela, por si só, estivesse personificada como “alguém” que nos explora, nos engana, nos escraviza.
Excetuando as situações onde a pessoa fica literalmente viciada em tecnologia, vício já nomeado como Transtorno do Jogo pela Internet (DSM-V), entregamo-nos voluntariamente às comodidades que o desenvolvimento tecnológico nos oferece e começamos a considerar o jogo, o algoritmo, a rede social como se fosse uma pessoa. Atribuímos pensamentos, sentimentos, vontade, livre-arbítrio a tais instrumentos, esquecendo-nos que a criação e a gestão de ferramentas que tanto nos encantam e facilitam nossas vidas são controladas por grandes empresas, com interesses comerciais e detentoras do controle sobre os dados que coletam por nossa livre e espontânea decisão em oferecê-los.
Parece ser, a princípio, uma troca justa: entregamos nossos dados em troca de serviços, em princípio gratuitos, mas que nem sempre mantém a gratuidade. Nossos dados são, em primeira instância, o pagamento. Um caro e custoso pagamento, pois abrimos mão de nossa privacidade. Em alguns casos, para além dos serviços básicos oferecidos gratuitamente, precisamos pagar para um acesso “especial”. Nestes casos, a gratuidade é apenas para se ter o gosto, para se criar o hábito.
Uma vez criado o hábito, passamos a necessitar daquele serviço e, consequentemente, precisaremos pagar por ele – seja com mais dados, ou em espécie. O texto de Franklin Foer, O mundo que não pensa, apresenta várias questões relacionadas às consequências das práticas das grandes empresas de tecnologia. A principal delas está no fato de terem como projeto ditar o que pensamos, como pensamos, o que lemos, como lemos, como vivemos…
Curiosa é a saída que ele propõe para que mantenhamos algum grau de liberdade: a leitura do livro impresso. Ele nos apresenta o livro como a possibilidade de não termos nossa atenção “roubada”, de podermos nos concentrar e de termos uma espécie de intimidade conosco, que permitiria o livre pensar, um fluxo de ideias que não depende dos caminhos oferecidos pelos algoritmos, mas de um diálogo com o autor do texto, que nos permitiria, inclusive, buscar as fontes das quais ele parte.
Ao abordar a questão, cita George Orwell num texto intitulado Books v. Cigarettes, no qual o autor questionou seus próprios hábitos, assim como os hábitos dos ingleses de sua época, sobre o quanto gastavam com livros ou com cigarros, e observou que o livro, de fato, pelo que nos oferece, não é caro. Trazendo a questão para a contemporaneidade, Foer observa as diferenças entre ler no Kindle e no livro impresso, destacando que no Kindle as marcações que são feitas no texto, são acessadas pela empresa e compartilhadas com outros leitores, mas também servem para apontar nossos gostos e orientar a empresa na indicação de outros produtos (incluindo ideias e ações). Já no livro impresso, os grifos são nossos e se compartilhamos ou não com outros é uma escolha (FOER, 2018, pp. 201-209).
O desafio à experiência pode ser interessante: quantos livros você já leu neste ano? Em mídia digital ou impressa? Há diferenças?
Fica o convite à leitura e à observação da experiência de liberdade que ela talvez permita.
Referências:
FOER, Franklin. O mundo que não pensa: A humanidade diante do perigo real da extinção do Homo Sapiens. Rio de Janeiro: Leia, 2018.