por Ceres Araujo
Na época em que tanto se fala e se escreve sobre abuso contra crianças, não se encontram referências a uma forma de abuso praticada com frequência. Trata-se do forçar precocemente a criança ao aprendizado formal.
A metodologia pedagógica é fundamentada no desenvolvimento psiconeurológico das crianças e divide a sequência dos diversos aprendizados ao longo do processo escolar, organizando as classes por faixas etárias.
Tradicionalmente, para a escola brasileira, a nota de corte por idade era colocada no final de junho ou julho. Assim, a criança que era nascida em maio, junho ou julho, costumava ser das mais novas da classe e sua imaturidade frente às demais, muitas vezes ocasionava dificuldades em áreas diferentes: pedagógica, emocional e/ou social.
Atualmente, esse corte por idade é realizado no fim do ano, para muitas escolas, com prejuízos sérios para o desenvolvimento psicológico das crianças. A norma a ser seguida é: a criança deve fazer aniversário e ter os anos correspondentes à classe a ser frequentada até o fim de dezembro. Isso faz com que crianças frequentem o 1º. ano da escola com cinco anos, junto a crianças que tem seis anos completos, muitas vezes desde o início do ano.
Sabe-se que o desenvolvimento psiconeurológico é muito acelerado nos primeiros tempos de vida. Na idade chamada escolar as tabelas das escalas de desenvolvimento variam de mês em mês. Assim, uma criança de cinco anos e um mês é completamente diferente de uma criança de cinco anos e três meses e daí por diante.
O que ocorre é que a criança muito novinha percebe que não aprende como a maioria de sua classe, que seu desenho não é tão bonito, que não consegue lidar com as letras e os números, que é lenta e ela vai se sentir pouco capaz, pouco inteligente, comparando-se desfavoravelmente em relação aos coleguinhas. Pode passar a ter a crença de que tem algo errado com ela. A autoestima fica prejudicada e as sensações de incompetência podem se tornar crônicas, prejudicando, para o resto da vida, o aprendizado, pois esse será associado ao esforço sem recompensa, ao desprazer, a menos valia.
Muitos professores, ingenuamente, buscam resolver o problema da heterogeneidade das crianças quanto à maturidade, dividindo-as em grupos mais fortes e mais fracos. Ora, sentar-se à mesinha dos mais fraquinhos não será edificante para a autoestima de nenhuma criança!
Muitas escolas sugerem professores particulares, aulas de reforço para compensar as dificuldades de aprendizado da criança, ajuda essa que, na maioria dos casos, perpetua-se ao longo da escolaridade. Em suma: um verdadeiro abuso contra a criança.
Na época da pré-escola, existem pais que forçam a promoção de seus filhos para classes posteriores, acreditando que eles são muito desenvolvidos. Esquecem-se que todas as crianças nos dias de hoje estão muito desenvolvidas, pois são verdadeiramente invadidas por estímulos de todas as ordens e conseguem processá-los.
É difícil saber qual é o abuso maior, se das escolas que se descuidam do processo de maturidade da criança e a forçam colocando em classes de crianças maiores ou se dos pais que, muitas vezes por vaidade, desejam que seus filhos aprendam antes dos outros da mesma idade. Nos dois casos quem é abusada é a criança que ao invés de brincar, o que é próprio e desejável à idade, tem de confrontar cedo demais com o traçado de números, letras e palavras e viver uma frustração por seu esforço não ser bem sucedido. Investir a fundo perdido traz danos irreparáveis à autoestima.
Aprender deve ser uma aventura prazerosa e é o que acontece naturalmente, nas idades acertadas. Êxito escolar é aprender sem grande esforço, é saber que a aventura da construção do conhecimento é um caminho que muitas vezes exige sacrifícios, como o abdicar do lazer, mas que é um investimento certo, com todas as chances de sucesso.