“Ah, se…” ou “E, se?…”

por Roberto Santos

Este título não se refere a lições do Prof. Pasquale sobre interjeições e conjunções em Português, como parece. Refere-se a atitudes frente a obstáculos, dificuldades, encruzilhadas e dilemas que encontramos pela frente em nossas vidas. São situações que nos fazem querer bater em retirada ou avançar sobre o inimigo – real ou imaginário – dependendo de como as encaramos.

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Experiências da infância que parecem ser apenas sombras do passado, tão distantes da pessoa madura, já em posições de destaque no mundo corporativo, iluminam os dias atuais com luzes de drama, aventura ou terror e com impacto para o futuro de carreiras.

Há algum tempo, tive a oportunidade de trabalhar com um executivo estrangeiro, que vou chamar de Michel, em um processo de coaching para seu desenvolvimento. Um profissional de elevada capacidade técnica, com um recorde invejável de resultados em suas operações e com uma reputação de bom líder de pessoas, ao longo de mais de 20 anos em uma empresa global. Essas qualidades lhe renderam uma ascensão segura e contínua até certo nível, mas chegou a um platô que o preocupou. Foi nesse momento que trabalhamos em seu plano de desenvolvimento durante um processo breve de coaching.

Alguns feedbacks de pessoas que trabalhavam com ele, incluindo o chefe e pares, sugeriam que ele fosse mais expressivo ou assertivo em sua comunicação. Esta característica era visível também em seu primeiro contato com as pessoas, pois não demonstrava reações faciais ou gestuais resultantes das interações que tinha.

Dizem que foi a cronista Danuza Leão que declarou, um dia, algo como: "Geralmente não temos uma segunda chance de causar uma boa primeira impressão". Esse era o caso de Michel. O mundo organizacional que é dominado pelos extrovertidos que causam, o tempo inteiro, impressões imediatas – boas ou ruins – não tem paciência para aquele tempo sem reações externas de Michel quando estava refletindo sobre a pessoa à sua frente.

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Conhecendo-nos e aprofundando sobre essas características que poderiam ser limitantes para sua carreira, Michel compartilhou reminiscências de sua infância. Filho de militar de carreira exemplar na Segunda Guerra, Michel cresceu em um ambiente de sisuda disciplina militar em que o respeito à autoridade paterna era levado ao nível dos quartéis, dando pouco ou nenhum espaço para manifestações espontâneas de opiniões e ideias do jovem filho nas reuniões familiares na hora do jantar. Falar baixo, não olhar diretamente para o pai, e outras regras foram moldando o comportamento verbal e não verbal de Michel.

Passam mais de 20 anos e o garoto amedrontado, agora em posição executiva importante, repete sem perceber, o padrão de comunicação do pai-coronel autoritário, mesmo em relações absolutamente entre iguais. Ah… se eu tivesse mudado este padrão, poderia ter tido muito mais sucesso em minha carreira e meu futuro seria diferente… Esse é o padrão vitimista de encarar os problemas do passado como limitantes do futuro.

Outra pessoa, uma executiva que atingiu cargo importante no mundo científico em empresa de destaque global cresceu em diferentes ambientes em que era uma oriental num pequeno país sul-americano e depois uma sul-americana no competitivo ambiente universitário norte-americano. Nunca parecia se encontrar com sua identidade cultural ou ter um grupo de referência com o qual se identificasse.

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Como consequência, Nancy (nome fictício) adotou uma postura receosa e insegura que a impediam de encarar e lidar com conflitos com pessoas que lhe parecem mais seguras e assertivas. "Ah, se eu tivesse tido uma infância e adolescência como uma garota normal…" A voz da vítima latente dentro de Nancy acaba falando mais alto e restringindo sua competência para administrar conflitos.

Essas pessoas passaram por situações em suas vidas que poderiam lhes fazer se acomodar naquela postura de vítima do "Ah… se eu não tivesse passado por isso ou aquilo", mas ambas mudaram sua interjeição para "E se eu fizer isso ou aquilo?". Essa postura questionadora e autoconfiante é a do protagonista que assume o banco do motorista para desenhar uma nova trilha para sua carreira em que aquele passado fica apenas no espelho retrovisor para sabermos que ficou para trás. Ambas definiram planos concretos do que fazer para desligarem-se dos cordões do passado para enfrentarem seus desafios com a energia atrativa do futuro.