por Patricia Gebrim
Eu tenho pensado muito sobre uma questão e como não gosto de pensar sozinha, a divido com vocês. O tema é: “amor versus amizade “.
Quem mais me fez pensar sobre isso nos últimos tempos foi exatamente uma amiga. Dessas valiosas, que guardamos em caixinhas de seda pintada à mão, tocamos com cuidado e reservamos para o que temos de mais valioso. Sinto-me privilegiada por ter uma amiga assim. Em nossas conversas, muitas vezes viagens filosóficas a lugares pouco visitados no dia a dia das pessoas, fui alinhavando com um fio luminoso esse entendimento que agora compartilho com vocês.
Você já parou para pensar no quanto valorizamos as trocas afetivas, os relacionamentos românticos? Parecem que todos estão em busca de um amor! Como se cada pessoa fosse uma metade cambaleante que mal se aguenta em pé, buscando desesperadamente uma outra metade para que possa caminhar inteira pela vida.
Assim, se considerarmos que somos metades em busca de metades, será inevitável que queiramos que a metade buscada contenha exatamente o que nos falta. Isso torna os relacionamentos amorosos, em geral, extremamente exigentes e controladores. Não raro as pessoas que estão se relacionando comentam que têm dificuldade em ser elas mesmas.
Pense em alguém que começa a namorar. Imediatamente após o anúncio, formal ou não, do início do relacionamento, desenrola-se uma interminável lista de expectativas e cobranças. De um momento para outro, o outro deixa de ser alguém qualquer e passa a ser o “nosso” namorado (ou namorada). Como se tivéssemos adquirido um novo produto, de repente esperamos muita coisa. Queremos que a pessoa nos complete, exigimos atitudes, cobramos, fantasiamos. Criamos uma metade perfeita na nossa cabeça e queremos a todo custo que o outro seja aquilo que imaginamos. Esperamos que aquela pessoa nos faça felizes, preencha nossas carências, afaste nossos medos e nos faça sentir tão aconchegados, protegidos e serenos quanto nos sentíamos no colo de nossa mãe.
Ufa… Que peso!
Agora pense na amizade. E sinta a diferença. Sabemos que o amigo não é “nosso”. Não esperamos que o amigo seja tudo para nós. Não exigimos que ele nos considere prioridade na sua vida. Não ficamos plantados ao lado do telefone imaginando mil razões para explicar o porquê dele não ter ligado ainda.
Não ficamos infelizes se um amigo quiser sair com outros amigos. Não nos consideramos donos de nossos amigos como acaba acontecendo nos relacionamentos afetivos.
Escolhemos um amigo para trocar, para rir juntos, para filosofar sobre a vida. A verdade é que respeitamos um amigo muito mais do que respeitamos nossos parceiros afetivos.
É claro que a amizade também tem seus desafios. E aqui é importante falar da inveja, esse sentimento nocivo que apodrece muitas amizades.
A inveja surje quando alguém se sente inferior. Quando uma pessoa vê no outro algo que não se considera capaz de ter, ou ser. Quanto menor a autoestima de uma pessoa, mais propensa estará a invejar e a destruir. Sim, pois a inveja é altamente destrutiva quando deixa de ser apenas um sentimento e estende suas garras na direção das nossas relações. Ainda assim, ninguém está imune a esse sentimento. Uma pessoa pode até sentir inveja, mas se tiver consciência disso a ponto de perceber o que está sentindo, pode abrandar esse monstro derramando sobre ele uma chuva de sentimentos positivos, lembrando a si mesma de seu próprio valor, resgatando o respeito que sente pelo próximo, reafirmando sua intenção de lidar com seu próprio lixo, sem derramá-lo sobre as pessoas ao seu redor.
Mas se não tiver consciência do que sente, o monstro invejoso escapará de suas profundezas e destruirá qualquer amizade que tenha sido construída, por mais sólida que pareça.
Amigos são uma escolha, certo? Assim sendo, uma pessoa saudável escolherá um amigo com base nas afinidades que existam entre eles. Quanto maior a afinidade da forma de pensar, ser e estar no mundo, maiores as chances daquela amizade frutificar e se tornar uma enorme fonte de satisfação para ambos. E mais… quanto maior a afinidade e semelhança, menor a chance da inveja aparecer.
Pense em como seria se tratássemos nossos parceiros afetivos como tratamos os nosso melhores amigos – com menos expectativas, menos cobranças e muito mais respeito por sua individualidade.
Pense em trocas mais equilibradas, onde o dar e o receber fluem de forma mais harmoniosa. Pense em uma relação com menos medo de perda e mais carinho verdadeiro, com menos palavras e mais gestos significativos. Perece bom, não parece?
Para que isso seja possível, no entanto, precisamos aprender a nos ver como inteiros.
Enquanto continuarmos nos sentindo metades, não seremos capazes de sermos amigos de nossos parceiros afetivos e continuaremos agindo baseados no desejo de controlar o outro e no medo de perdê-lo. Enquanto formos metade precisamos que o outro seja a outra metade. Simplesmente não podemos permitir que ele seja apenas quem é. Não há como respeitá-lo.
Assim, se você sentir sintonia com estas palavras, dedique sua energia em fazer amizade com a sua solidão, como se a solidão fosse uma terra úmida e fértil. E plante nela as sementes da sua individualidade, até que dali brote o mais lindo fruto – você mesmo! – inteiro.
Faça com que a sua inteireza brote das profundezas da sua úmida e escura solidão. E assim, inteiro, procure um amor amigo.
Detalhe: ele precisa ser inteiro também!