por Roberto Santos
A experiência de passar por exames de laboratório, raios X, ultrassons, tomografias, ressonâncias e seus similares ou a aquela de ficar numa cama de hospital atrelado a um litro de soro e remédios 24 horas por dia não deve fazer parte da lista das dez mais preferidas dos leitores como a deste autor. Porém, sempre se pode aprender alguma coisa das experiências menos prazerosas.
Na crescente realidade do mundo do trabalho das últimas décadas, o segmento dos serviços revela-se como a principal potência, já anunciada há pelo menos quatro décadas como uma decorrência da Era da Informação que sucedeu a Era Agricultura e a Era Industrial.
Estudos, pesquisas e estatísticas mundiais apontam para os serviços de toda ordem: informação, telecomunicações, entretenimento, hospitalidade, hospitais e outros como a principal fonte de renda para nações e remuneração para seus povos.
As várias revoluções industriais – a primeira que começou em 1760 com o motor a vapor e a quarta no século passado com a robótica – para a sobrevivência competitiva de seus protagonistas, exigiram que cuidassem da qualidade de seus produtos. Na Década de 70, os japoneses desbancaram a indústria automobilística dos soberanos Fords e Chevrolets norte-americanos, com uma nova potência que colocou a Qualidade definitivamente em pauta, fazendo surgir as inúmeras siglas de ISO’s como forma de vigilância e garantia da qualidade dos produtos.
Em paralelo, crescia a indústria de serviços, e com ela, a mesma preocupação com sua qualidade, com um desafio maior. Enquanto o defeito de um carro é objetivamente detectado quando ele simplesmente deixa de funcionar e uma boa oficina diagnostica as causas do problema e, eliminando-a, resolve o problema, no caso dos serviços, a coisa não é tão clara, pois é, muitas vezes, intangível.
O serviço tem, na realidade, os dois elementos: o tangível que é o cumprimento de uma promessa na venda do serviço, isto é, quando quebra meu carro, terei as peças de reposição disponíveis para consertá-lo? Quando meu site sai do ar por uma queda de sistema do provedor, ele voltará em até X horas? Quando peço um filé ao ponto, ele não virá estorricado ou mugindo?…
Muitas vezes mais importante, o intangível é a percepção que temos de um serviço, isto é, a gentileza, a boa vontade, o comprometimento, a empatia e outras demonstrações que fazem a diferença entre um serviço que cumpre o especificado em contrato, daquele positivamente inesquecível, que fideliza nossa relação com um provedor de serviços. Este intangível é aquele algo a mais, a cereja no bolo, que faz com que até relevemos alguma discrepância em algum aspecto tangível do serviço contratado.
Ainda que os serviços sejam, crescentemente, a fonte de receita para países e para a remuneração das pessoas, a qualidade do atendimento ao cliente deixa a desejar. Apesar dos pesados investimentos em SACs (Serviços de Atendimento ao Cliente) e os astronômicos números de dezenas de milhares de posições de atendimento dos mal falados “Call Centers” (assassinos de nossa Língua Pátria com sua prática do “gerundismo”), as operadoras de telecomunicações, os bancos e os seguros saúde, seguem no topo das listas de reclamação de consumidores insatisfeitos, ultrajados, indignados que navegam sem sucesso entre os concorrentes para encontrar os mesmos problemas.
Fica a pergunta no ar – o quanto da insatisfação se dá pelos aspectos tangíveis e quanto pelas sutilezas daquilo que se sente na interação social com o representante da prestadora de serviços?
No limite, obviamente, a simpatia e a boa vontade apenas, não garantem que meu telefone ou cartão de crédito sejam clonados. Podemos até ficar sensibilizados com o ouvido amigo que tenta nos consolar com a fortuna que estamos perdendo, mas no final do mês tenho que pagar a conta. Os aspectos tangíveis do cumprimento das promessas do contrato de venda são condições necessárias para a sobrevivência de uma empresa prestadora de serviços, mas não parecem ser suficientes para a tão almejada lealdade dos consumidores.
Acredito que todos os leitores conseguirão se lembrar de serviços em que ele foi entregue conforme prometido mas o tratamento recebido deixou tanto a desejar que, no final, predominou a sensação de insatisfação com a experiência – em restaurantes e lojas vivemos isso cotidianamente, prometendo que nunca mais voltaremos a um estabelecimento, o quê nem sempre conseguimos cumprir. E pior, a qualidade do serviço, em especial de seus aspectos intangíveis, não é diretamente proporcional ao preço cobrado, quando não é exatamente o contrário. Quem não entrou numa loja caríssima para se sentir o último dos mortais, desprezado arrogantemente por vendedores que não querem ser incomodados em suas fofocas sobre as baladas, por um insignificante cliente – “este mal necessário?”…
Entretanto, não podemos ver apenas o copo meio vazio, dos serviços mal prestados, mas precisamos reconhecer, admirar e divulgar as experiências positivas com alguns ícones na prestação de serviços para que sejam emulados por seus concorrentes. Volto então ao primeiro parágrafo em que me referia a experiências recentes com o Laboratório Fleury e o Hospital Albert Einstein, ambos de São Paulo, mas de projeção nacional.
Enquanto passava uma temporada de quatro dias nesta última instituição, refleti sobre o serviço ao cliente que me era prestado. A cada interação com enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem, médicos, faxineiras, copeiras, administrativos, que se revezavam durante as 24 horas do dia (em intervalos não muito espaçados…). Um, após o outro, me fazia perguntar, qual destas dezenas de profissionais que me visitavam deixaria a “peteca cair” e cometeria um deslize na qualidade do atendimento, mas fui “frustrado” pois a hipótese da predominância do serviço ruim tão espalhada em nosso dia a dia, não se provou.
Nesta reflexão, já pensando nesse artigo, ponderava sobre o que tornava este serviço de saúde, um dos melhores em seu segmento, uma referência que transcende as fronteiras brasileiras.
Seria por não ser um órgão público, com todos os vícios paralisantes da máquina estatal, ou por não ser uma entidade com fins lucrativos, em que os resultados financeiros para seus acionistas estão em pedestal mais do que o atendimento de seus clientes?
Seria conseguir investir em equipamentos e tecnologia sempre de ponta, além de atrair os melhores catedráticos e práticos em todas especialidades médicas para seus quadros? Ou ainda, por ter aplicado princípios de qualidade baseada em processos estudados e esmiuçados quanto à máxima eficiência e confiabilidade, além de um treinamento de qualidade para implementar e reforçar aqueles processos?
Todas estas respostas são plenamente verdadeiras e suficientes para explicar uma boa parte da qualidade dos serviços prestados por esta instituição, mas acho que não explicam o intangível da cortesia, atenção, carinho, sorrisos e outras demonstrações de que o serviço é uma arte, um dom e uma competência destas pessoas.
Arte, técnica e dom
Estes três aspectos – arte, técnica e dom – se revezam na explicação da qualidade dos serviços avaliados. A técnica pode até ser treinada quando se tem processos eficientes, além de instrutores e material didático adequados. A arte se dá pelo exímio exercício da técnica com aquele toque singular da expressão pessoal do artista dos serviços — aquele que pinta um quadro de cores positivas da experiência de atendimento ou que escreve uma história em nossa memória que vamos compartilhar com amigos e familiares.
O dom já é mais difícil de se ter ou se desenvolver… Ele se baseia em valores e motivações que contribuíram para formar, com nossas primeiras experiências interpessoais de infância, nosso caráter e a base de como iremos nos relacionar com outros seres humanos pelo restante de nossas vidas.
Há pessoas que necessitam e são motivadas pela oportunidade de interagirem constantemente com muitos e variados tipos de pessoas. Sua energia e motivação para a vida se dão pelo convívio com outras pessoas, e muitas buscam ativamente por isso, com sua extroversão, desinibição e demonstrações de interesse pela aceitação e validação de suas ações pelas pessoas de seu círculo de relacionamentos. A ênfase que mais e mais pessoas se dedicam a redes de relacionamento profissionais, como o LinkedIn e as sociais, como Facebook, Twitter e Orkut, é uma prova cotidiana de como precisamos e buscamos ativamente estas relações, especialmente aquele indivíduos motivados pela Afiliação.
Outras pessoas, de valores e motivações altruístas, priorizam em suas vidas – como em sua escolha vocacional e ocupacional — a procura de um trabalho em que possam ajudar os outros e, assim, ajudar a construir um mundo melhor, de menos desigualdades sociais.
Estas pessoas costumam ser idealistas, sensíveis, bons ouvintes, respeitosos e empáticos e podem ser encontradas, com maior frequência, em atividades como ensino fundamental, aconselhamento, enfermagem, assistência social e recursos humanos, dentre outras. Quando escolhem (ou podem escolher…) um emprego numa empresa, vão avaliar as ações desta, no campo da responsabilidade social, incluindo o cuidado com o meio ambiente e as oportunidades para o trabalho voluntário.
Existem instrumentos de avaliação psicológica, como o Inventário de Motivos, Valores e Preferências do Dr. Robert Hogan, que mensura dez valores ou motivadores primordiais que determinam o tipo de ambiente e de carreira que trará maior felicidade ao indivíduo e, consequentemente, um desempenho melhor.
Desconheço o processo seletivo das duas instituições de saúde que mencionei aqui, mas deduzo que, de alguma maneira, elas conseguem de uma forma eficaz, selecionar para seus quadros, profissionais que gostam de interagir com as pessoas (motivação de Afiliação), buscam uma remuneração compatível com o mercado (motivação Comercial), mas sobretudo, se destacam pelo valor de Altruísmo, pela forma que transmitem ter uma satisfação genuína ao atender o paciente.
Ampliando esta avaliação de uma experiência pessoal para a dimensão social, resta a tristeza de reconhecer que o tratamento que recebi é privilégio de poucos em nossa sociedade. A realidade dos serviços públicos, e mesmo da maioria dos privados é, geralmente, diametralmente oposta, salvo raras exceções de “altruístas de plantão“ que conseguem sobreviver às pressões de um atendimento pautado pela renda de sua vítima, quero dizer, de seu cliente…
Se você acredita que não tem aquelas motivações altruístas, que não tem nenhum dom para atender clientes e consumidores – que nem sempre são muito fáceis de se lidar – melhor procurar outra carreira. Assim, você poderá contribuir para sua felicidade profissional e, talvez, para a melhoria dos serviços. Pense nisso!