Autismo: há uma visão romanceada sobre esse transtorno

Autismo leve: Há um exagero no número de pessoas que se autodiagnosticam como autistas e isso acaba dando uma noção romanceada sobre o autismo em geral, levando a crer ser uma neurodiversidade leve. No entanto…

É possível que se esteja diagnosticando excessivamente algumas pessoas com o autismo nível 1, também conhecido como autismo leve, autismo de alto rendimento ou Síndrome de Asperger. Alguns dos sinais presentes no autismo, são também encontrados em muitas outras condições nosológicas, sem que se justifique o diagnóstico de autismo.

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O que é autismo?

O autismo, hoje nomeado como Transtorno do Espectro do Autismo – TEA, é classificado como um dos transtornos do neurodesenvolvimento. É um distúrbio de base neurológica que se caracteriza por alterações qualitativas na linguagem, nas interações sociais recíprocas e por um repertório de interesses e atividades restrito e estereotipado. Com muita frequência estão presentes alterações sensoriais. As alterações do comportamento não são explicadas por deficiência intelectual ou por atraso global do desenvolvimento. É uma patologia, em geral reconhecida e diagnosticada entre 18 meses e 3 anos de idade.

É uma doença donde os fatores genéticos são importantes, mas não absolutos. Fatores epigenéticos, como agravos ambientais, prematuridade, baixo peso ao nascimento, problemas no parto, problemas perinatais. Vários tipos de insultos cerebrais, afetando certas estruturas do cérebro, poderão determinar, ao lado dos sinais do referido insulto, o quadro que caracteriza um TEA.

Ainda não há cura para o autismo

O TEA apresenta 3 níveis de severidade: nível 1, que requer suporte; nível 2 que requer suporte substancial e nível 3, que requer suporte muito substancial. O nível de severidade é categorizado na dependência da intensidade dos sintomas e do grau de suporte necessário. Cumpre observar que mesmo as pessoas com autismo de nível 1, são poucos os que ganham autonomia para vida independente. A grande maioria é incapaz para a transição para a vida adulta. Até hoje não existe cura para o autismo.

Outras patologias, com frequência podem estar associadas ao TEA. Deficiência mental ocorre em 50% dos casos, epilepsia em 42% e outras síndromes ou condições patológicas podem estar presentes. A comorbidade para doença mental é maior que 70% nos indivíduos com autismo.

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A incidência do autismo aumentou significantemente nas décadas recentes no mundo inteiro. Os primeiros estudos reportavam 4.5 cases para 10.000 nascimentos. Em 2020, de acordo com o relatório do U.S. Centers for Disease Control and Prevention (CDC), a incidência do TEA aumentou para 1 entre 54 nascimentos. Esses mesmos Centros reportaram em 2023 um aumento na prevalência do autismo, hoje estimada nos Estados Unidos em 1 para 36 nascimentos. Existem algumas hipóteses de que o uso abusivo de telas por crianças bem jovens e mesmo por bebês durante a Pandemia do COVID-19, poderia ser um dos fatores responsáveis por esse aumento.

A incidência do TEA é maior para o sexo masculino que para o sexo feminino (4:1), mas na última década surgiram pesquisas considerando que mais meninas e mulheres estariam no espectro do autismo. Meninas têm maior habilidade para esconder seus sintomas, os camuflam. Apresentam sinais menos óbvios de comportamentos restritos, mas com frequência têm foco obsessivo na leitura e no encontrar regras e regularidades na vida social. Uma sobreposição com anorexia e transtorno obsessivo-compulsivo confunde e atrasa o diagnóstico.

No ano 2000, Klin e Volkmar, dois eminentes pesquisadores sobre o autismo, consideraram o autismo como uma neuro atipia. Consideraram que o mundo dos neurotípicos é diferente do mundo dos indivíduos com transtornos do espectro do autismo. O autismo seria, assim, uma forma diferente de estruturar a mente. Essa abordagem ao TEA, possivelmente está na origem do conceito atual de neurodiversidade. O paradigma da neurodiversidade sustenta que qualquer variação neurológica faz parte da diversidade humana.

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Muito frequente diagnóstico para autismo leve

Atualmente tem sido observado um considerável número de pessoas se autodiagnosticando na vida adulta, e mesmo na terceira idade, como sendo autistas e neurodiversos. Existem mesmo profissionais de ajuda que se autodenominam neurodiversos e se propõem a tratar pessoas que têm também neurodiversidades.

Pode ser verdadeiro um diagnóstico tardio nos casos do TEA de nível 1, onde os sinais são mais atenuados, a inteligência preservada e o prognóstico, dentro dessa condição, é melhor. Podem, de fato, não ter sido diagnosticados 20, 30 anos atrás. Mas, parece que está, um pouco frequente demais, que as pessoas se descubram como autistas.

Esse exagero no número de pessoas que se autodiagnosticam como autistas acaba dando uma noção romanceada sobre o autismo em geral, levando a crer ser uma neurodiversidade leve e não uma doença tão complexa e grave.

Após divulgar a prevalência de autismo nos Estados Unidos de 1 em 36 pessoas, a maior já registrada naquele País, o Centro de Controle de Prevenção de Doenças – CDC, divulgou um estudo, essa semana, apontando que o número de pessoas com autismo profundo ou autismo severo é de 26,7% dentre os autistas.

O termo autismo severo tem o objetivo de se referir especificamente a pessoas autistas que precisam de apoio substancial de adultos 24 horas por dia e que não têm autonomia para cuidar de suas necessidades diárias. O termo diz respeito a pessoas não verbais ou não oralizadas, minimamente verbais ou com um quociente de inteligência abaixo de 50. Aproximadamente 60 a 70% dos indivíduos com autismo funcionam na faixa da deficiência mental.

Concluindo, o TEA é uma das patologias mais sérias, diagnosticadas na infância. Seus sintomas persistem durante toda a vida e ainda que possam ser atenuados por abordagens terapêuticas e educacionais especiais, determinam enormes problemas adaptativos à pessoa afetada e à sua família. O autismo não tem cura, pelo menos até hoje.

É psicóloga especializada em psicoterapia de crianças e adolescentes. Mestre em psicologia clínica pela PUC-SP, Doutora em Distúrbios da Comunicação Humana pela Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo, professora do Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia Clínica da PUC e autora de vários livros, entre eles 'Pais que educam - Uma aventura inesquecível' Editora Gente.