por Valéria Meirelles
"Se quisermos congelar o tempo e nos encerrarmos nesse casulo, estaremos liquidados antes mesmo que a juventude acabe. Seremos a nossa ficção. A realidade continuará a nossa volta, e um dia vamos perceber que estamos fora Dela." Lya Luft.
Lya Luft faz um importante alerta às mulheres, pois entre tantos desafios que a mulher atual enfrenta hoje em dia, um deles lhe consome especial atenção: o tempo. Ele é aquele que passa e leva junto o frescor da pele, a agilidade dos movimentos, a tonicidade dos músculos e tecidos e a beleza física.
A idolatria pela beleza feminina é antiga. Foi uma invenção da Renascença que se estende até hoje e que conseguiu se impor na civilização moderna ocidental, amparada ainda pelo crescimento da indústria cosmética/farmacêutica e pelos meios de comunicação. É tal a preocupação das mulheres com a beleza física que ela se tornou objeto de estudo de sociólogos, antropólogos, psicólogos e médicos. Afinal, as mulheres nunca combateram com tanto afinco tudo aquilo que parece flácido, gordo, sem brilho ou enrugado.
Nunca as mulheres fizeram tanta ginástica, exercícios corporais dos mais diversos tipos, nunca consumiram tantos cremes, fizeram tanto regime e se privaram de prazeres por conta da beleza. Além de ser magra, é preciso ter um corpo vigoroso e um rosto com o mínimo de rugas. E essa preocupação se inicia cada vez mais cedo, sem limites de idade, evidenciando que a mercantilização da beleza tornou-se democrática e ao mesmo tempo preocupante.
Também preocupa o estereótipo negativo relacionado à beleza feminina. A super executiva Carly Fiorina, presidente da Hewlet-Packard, em entrevista nas páginas amarelas da revista Veja declarou com incredulidade que em pleno século XXI ainda chame mais atenção o fato de ela ser uma mulher bonita no comando de uma empresa, do que o fato de ela ser uma profissional eficiente. Ou seja, se uma mulher é bem-sucedida profissionalmente, ela pode causar espanto e comentários do tipo: "Além de bonita é inteligente". A beleza feminina tão valorizada e apreciada pelos homens tornou-se superior à qualidade de seu trabalho.
Esse culto à beleza feminina exprime uma hierarquia que submete a mulher ao olhar do outro para validá-la e confirmá-la. Como explica a psicanalista francesa Marie-Christine Laznik, a mulher ao ser olhada e olhar para o outro "não vê a sua imagem especular, mas o brilho do olhar do outro que o carrega. Um brilho que aureola sua imagem e lhe confere importância" – muitas vezes maior do que a importância que ela mesma se atribui.
Sendo assim, a cirurgia plástica e os inúmeros tratamentos voltados à "correção" estética teriam como intenção transformar-se em objeto do olhar do outro, além do próprio olhar, o maior tempo possível, prorrogando ao máximo a permanência como um ser belo, admirável e não excluído numa sociedade de consumo.
É uma questão tão séria que ninguém escapa da ditadura da beleza, nem mesmo as musas de Hollywood, as atrizes globais e as modelos que aos trinta anos são consideradas velhas para a profissão.
Infelizmente, o que muitas dessas mulheres percebem é a prisão estética na qual foram colocadas e que reforça a subordinação tradicional tão combatida. Como bem explica o filósofo francês Gilles Lipovetsky: "No momento em que as antigas ideologias domésticas, sexuais, religiosas perdem sua capacidade de controlar socialmente as mulheres, as injunções da beleza constituiriam o último meio de recompor a hierarquia tradicional dos sexos, de ´recolocar as mulheres em seu lugar`, de reinstalá-las em uma condição de seres que existem mais por seu parecer que por seu fazer. Curvando psicológica e fisicamente as mulheres, fazendo-as perder a confiança em si próprias, absorvendo-as em preocupações estético-narcísicas, o culto à beleza funcionaria como uma polícia do feminino, uma arma destinada a deter sua progressão social".
Tanto é verdade, que a palavra de ordem atual é parecer o mais jovem possível, seja no corpo ou na vestimenta. Um absurdo, considerando que os valores realmente permanentes passam pela subjetividade e são construídos nas relações.
Por isso, uma dica importante à mulher atual: pense mais em si mesma como essência, desenvolva uma fé, acredite na riqueza e beleza de seu interior, a qual o tempo e a experiência têm o poder de aumentar. Entre tantas conquistas já obtidas, inclua a da segurança na parceria com o tempo e não na competição contra ele. Reflitam, para que serve tanto investimento no corpo?
Não sou contra os cuidados voltados à beleza e ao bem-estar, desde que feitos com moderação e não ocupem um lugar preponderante na vida das mulheres. Afinal, o avanço da idade abre um melhor conhecimento de si mesmas, de seus desejos, prazeres e necessidades. O passar do tempo pode até nos deixar menos belas e menos vistas, mas certamente, se nos respeitarmos e nos valorizarmos, seremos muito mais belas para sermos ouvidas. Beleza tem a ver com estado de espírito e nada supera a beleza da felicidade e da paz interior.