por Roberto Goldkorn
“O universo pessoal é composto por tudo aquilo que faz a nossa vida ser só nossa: o DNA, a história, o nome, a maneira de andar, os ascendentes…”
Quando eu era criança adorava ler histórias de universos paralelos, onde um outro tipo de existência, bizarro para nossos padrões, existiam.
Mais tarde já adulto, conheci pessoas que diziam ter contato com universos habitados por seres-gato, ou reptilianos dotados de inteligência elevada e que construíram grande civilizações. Não sou daqueles que imediatamente tacham tudo que lhe é estranho, de “viagem na maionese”, piração ou mentiras cabeludas.
Não conheço, não vi, por isso não julgo. Sei que a própria ciência à medida em que avança pelas fronteiras do desconhecido, vai levantando véus de realidades extremas, inimagináveis há poucas décadas.
Tudo isso para dizer que existem universos paralelos aqui mesmo no nosso universo, entre as gentes humanas tridimensionais. Cada vida individual é um universo. O universo pessoal é composto por tudo aquilo que faz a nossa vida ser só nossa: o DNA, a história, o nome, a maneira de andar, os ascendentes, as formas de pensamento, as rotinas, a psique (mente), o tipo sanguíneo… Enfim, tudo do micro ao macro compõe o seu, o meu, o dele… universo pessoal. Quando andamos pela rua, cada um com o nosso roteiro, nossos objetivos estamos envoltos numa bolha vibratória que tem a marca do nosso universo pessoal, único, mas não intransferível.
Quando observo as pessoas no metrô com seus fones de ouvido, e digitando ou lendo, ou simplesmente olhando para fora, fica mais evidente os “trilhos” do universo pessoal correndo paralelo com outro e outros universos que se tocam, mas raramente se intercruzam.
Muita gente cria, até inconscientemente, universos pessoais tão fechados que não poderiam gerar outra consequência senão a solidão. Outros o fazem de forma consciente e elaborada. Clarice Lispector a quem tive a honra de conhecer e conviver, se vestia sempre de preto, fumava dois maços e meio de cigarros por dia, e na sua casa não entrava a luz do sol, mas era iluminada por dezenas de velas tremeluzentes, e raramente saia para caminhar em frente de casa na bela praia do Leme. Os poucos “excêntricos” que fazem isso com esse fim, se veem como pessoas de sucesso quando conseguem um isolamento quase perfeito. Exemplos disso são as pessoas que resolvem ir morar no mato, nas montanhas isoladas pagando o preço por voltar aos estágios pré-tecnológicos, ou dos artistas que criam complexas senhas e contrassenhas para inibir o acesso a até eles, e os doentes mentais que criaram uma prisão de segurança máxima em torno de sua mente e engoliram a chave.
Mas a maioria não deseja conscientemente se isolar em seu próprio universo, mas por obra de suas ações desajeitadas acabam andando em círculos em seu próprio universo que encolhe cada vez mais, não deixando espaço para que mais alguém interaja com ele.
A imagem que agora me vem à cabeça é de um desenho animado que assistia do Pica-Pau onde ele ou outro personagem resolvia pensar na solução de um problema e ficava andando em círculos em torno de uma mesa. Andava tanto que ia criando uma trilha que afundava a cada volta até que ele ia desaparecendo da visão do espectador.
Isso me serviu de guia para orientar o meu trabalho com pessoas que criaram seu universo superfechado e depois não sabiam ou não tinham forças para abri-lo.
Um autor que li há muitos anos me deu uma imagem que me serve de inspiração: “Cada pessoa é um universo que se compõe de um “colar de pérolas”. Cada “pérola” é um item daqueles que foram citados acima: DNA, comportamento, rotinas, padrão mental, padrão respiratório, feições, manias ligações familiares, vocação etc. Em geral esses colares, “zilhões”, passam uns pelos outros nas ruas, nos metrôs, em festas, nas praias, raramente há um entrelaçamento, para isso acontecer, é preciso que se abra mão de uma pérola-passagem.
Mudar alguma coisa da nossa rotina, dos nossos hábitos, retirar uma única “pérola” da nossa pessoalidade pode dar essa abertura. Ou então, isso é feito através de “acidentes”, choques de universos assim como acontece no Cosmo gerando destruição, caos e depois novas formas, novas possibilidades.
Não estou aqui defendendo que devamos sempre nos abrir para novos universos, abrindo nossos roteiros de “pérolas”, que produzem nosso esquema de vida. Sabemos que algumas dessas aberturas costumam ter graves consequências, como as que acontecem quando mulheres carentes caem no golpe do amante estrangeiro. Até hoje não temos estatísticas para saber se tem mais gente que abre o “colar de pérolas” e encontra o grande amor, ou encontra um grande predador que só vai contribuir para que se feche mais ainda em seu universo pessoal.
Já contei e recontei essa história dezenas de vezes, mas vale a pena ver de novo. A uma cliente que reclamava muito da solidão, recomendei que mudasse o penteado. Ela tinha um universo pessoal muito fechadinho. Se vestia sempre com o mesmo tom de roupa (caqui), o cabelo era exatamente o mesmo há muitos anos, fazia sempre o mesmo caminho de casa para o trabalho há pelo menos quinze anos, tinha o mesmo círculo de poucos amigos, fumava a mesma marca de cigarro e frequentava o mesmo restaurante. Sugeri que ela cortasse e pintasse o cabelo. Ela me olhou com horror, com o se eu tivesse dito algo terrível, inominável. Ficou de pensar. Finalmente estimulada pelos amigos, fez o que pedi. No dia seguinte uma vizinha sua a quem ela apenas cumprimentava de forma mecânica, reparou na mudança do cabelo e iniciou uma conversa que culminou com um convite para uma festinha na casa dela, no apartamento ao lado. Minha cliente hesitou em aceitar, mas resolveu bancar esse “desafio” de sair dos trilhos grossos de seu universo pessoal, afinal era ao lado de sua casa…
Resumindo, lá conheceu um sujeito recém-separado, os dois se encantaram (ele começou elogiando seu cabelo) e se casaram. Não posso dizer que forma felizes para sempre, porque fui privado da continuação, afinal, feliz ela não precisava mais dos meus serviços.
Existem diversas formas mais ou menos seguras de se arriscar fora de seu universo pessoal. A gente nunca sabe se vai encontrar Reptilianos ou Gatos no universo paralelo ao nosso. Mas se você sente que o seu colar de pérolas está se tornando uma coleira que o está asfixiando, talvez seja o momento de retirar uma pérola e deixar outro universo de pérolas cruzar com o seu – os riscos e as delícias serão só seus.